* aqui se encontram conexões estabelecidas para a militante e os demais habitantes de khadel !
a estrela de cinema - tbd !
a filha do pastor - um misto de frustração e compaixão define o modo como neslihan enxerga lina. projetando feridas antigas na mais nova , colocou como missão abrir os olhos da mesma para o que pode estar ocorrendo sem que tenha conhecimento. é uma troca um tanto tensa , principalmente após presenciar a forma como os capel-d'angelo a pressionam mentalmente !
a garota problema - um soluço do destino fez com que neslihan e vivianne se encontrassem em milão antes mesmo que qualquer menção do envolvimento da loira com a suposta quebra da maldição. os dois polos do caos se conheceram em uma manifestação , e com ajuda mútua conseguiram safar-se de uma viagem às celas , a presença de uma pela simples necessidade da insanidade e da outra pelos seus princípios. a presença repentina de vi na idílica cidade veio seguida de surpresa , após , breve satisfação , seguida de completo arrependimento ao trabalharem juntas. ainda que compartilhem pontos , a incapacidade de comprometimento da nova moradora de khadel é combustível para os pequenos desentendimentos e frustrações tbd !
a menina malvada - um laço que transcende o simples conceito de amizade , neslihan tem a certeza que ela e geaziella compartilharam a cumplicidade em outras encarnações. respeito e companheirismo mútuos que datam da infância em comum , ainda que salpicados por momentos de diferenças , inquebráveis pelo tempo e provações. foi na propriedade dos martinez-giordano que ficou , às custas do relacionamento da amiga com o próprio pai , quando vergonha e falta de esperança a assolaram ao ser deserdada. com a maioridade tentaram seguir uma vida longe das pressões de khadel , um fracasso , com ambas retornando à cidade em um ponto ou outro. confidentes e inseparáveis , se apoiam e se defendem , mesmo que em não concordância , nes seria capaz de matar por grazi , e pelos que essa tem em seu coração !
a musa do verão - um muro intrincado separa a complexidade entre neslihan e olivia. uma amizade antiga , despedaçada pela influência de suas famílias e terríveis circunstâncias , que luta para manter os resquícios de calor. lembranças as regem , fazendo dos diminutos pedaços que sobraram do passado suficientes para manterem uma conexão viva. próximas , nada como a cumplicidade adolescente , podem ficar semanas sem uma ter notícias da outra , mas quando se encontram a familiaridade as inunda , conversas fluem até o momento em que os assuntos que permeiam a distância entre elas veem à tona , então a tensão as consome e a chama motriz para o sentimento perde o seu brilho !
o crossfiteiro - tbd !
o lobo solitário - um bálsamo , aaron é uma força sólida e constante na vida de neslihan. o início da conexão é um tanto anuviado , não se recorda do exato momento , mas a admiração de então pelo intelecto alheio e a capacidade em simplesmente demonstrar como é , sem a sombra de represálias pairando sobre si , ainda permanece. como sol e lua , em energias opostas , a amizade sem regras , sem cobranças , é ponto de apoio incondicional em meio ao fluente sarcasmo e ações que demonstram preocupação e carinho para além de meras palavras. o mal humor masculino é equilibrado pela energia incessante feminina , que encontram um no outro aceitação e hábitos que já se tornaram rituais !
o playboy - um paradoxo rege as interações de neslihan e camilo. o mais velho representa , e age , o oposto de quase tudo o que a mulher defende , com a exceção do amor por animais. o pequeno detalhe é suficiente para que ela reserve as demais características em seu subconsciente e permita-se humorizá-lo vez ou outra. ainda que ele tenha o físico quase perfeito , a psique do ricci a mantém firmemente em sua convicção de que ele não vale um segundo a mais do que o necessário de seu tempo , mesmo que as provocações e tentativas de sedução tragam alívio cômico em sua vida e , por vezes , o considere digno de redenção !
o último romântico - um verdadeiro pandemônio resume a forma como neslihan e christopher interagem. duas faces da mesma moeda , são opostos complementares , que projetam um no outro os piores traços que carregam e compartilham. arrogantes , orgulhosos , intensos e teimosos , tinham familiaridade e proximidade na adolescência , ao ponto de reconhecer , e admirar , a capacidade artística alheia , mas tudo mudou com o retorno de ambos à khadel. até então a cidade não era pequena demais para conter o ego de um rizzo e uma antiga şahverdi , a não ser que colocados de lados opostos em um embate jurídico. a vitória masculina trouxe à tona fantasmas do passado feminino , que ainda a assombram , e junto a noção de alguém sem princípios , sem escrúpulos e capaz de fazer tudo o que é mandando para não ter que encarar o próprio vazio !
@khdpontos
I hope I’m not just an annoyance to you but also an object of your pathological psychosexual rage
❝ one day she will discover that not even she can hold herself back because her passions burn brighter than her fears !
@khdpontos
o conceito de uma cidade atrofiada em sua evolução arrancou um riso discreto , ainda que pleno de ironia. o alívio que inundou sua expressão ao ouvir a negativa foi quase tangível , como se a mera possibilidade de graziella — cuja alma poderia jurar ter cruzado em outras vidas — se rebaixar à credulidade de algo tão absurdo fosse uma afronta dolorosa , tanto mental quanto fisicamente. afinal , se fosse o caso , teriam que enfrentar mais uma daquelas intermináveis… amigáveis discussões sobre a giordano se permitir ser intelectualmente negligente. ❝ ah, dinheiro… deveria ter suspeitado. ❞ os lábios se curvaram em um sorriso que ecoou o da amiga, acompanhados por um riso cristalino . a cada descrição proferida , meneava a cabeça em concordância admirada. ❝ sua habilidade para arrancar dinheiro das pessoas nunca deixa de me impressionar. ❞ admitiu , afastando delicadamente algumas mechas castanhas que o vento havia espalhado sobre o rosto. não que ella fosse menos que uma dádiva ; muito pelo contrário, a marca rivalizava acirradamente com os la mer, reinando em conjunto no balcão amplo de seu banheiro. ❝ e é exatamente por isso que sou advogada e não empresária. jamais teria a criatividade para transformar um circo desses em algo lucrativo; para mim , só inspira um desprezo inexplicável. ❞ a declaração foi seguida de um leve arrepio que percorreu a espinha ao pensar no assunto. erguendo novamente os olhos castanhos , agora fixos nos azuis cálidos de graziella , a troca foi suficiente para um entendimento mútuo. ❝ il giardino ? ❞ sugeriu com naturalidade. embora o restaurante fosse famoso por sua interminável lista de espera , entre gökçe e martinez-giordano , sempre havia uma forma de transformar o impossível em algo acessível.
A reação retirada da melhor amiga poderia até ser divertida se não mexesse com seu intelecto. O rolar dos olhos claros foi visível enquanto se aproximava mais de Neslihan. "Mas é claro que não. Isso é histeria coletiva, como já teve diversas vezes nessa cidade mal evoluída. Contudo..." Fez uma pequena pausa dramática ao ter o braço entrelaçado ao seu e aproveitou da aproximação para se inclinar e murmurar baixo próximo ao ouvido da amiga. "Isso não me impede de ganhar dinheiro." Finalmente disse, o sorriso voltando ao seus lábios, agora de maneira um tanto mais larga. "Imagine a quantidade de maquiagens e perfumes para usar com, uh, seu amor." Falou as últimas palavras com uma careta. "Ou o vinho certo para combinar em seu primeiro encontro depois de apaixonados." Soltou um suspiro exagerado escapar, como se sonhasse, e depois deu uma risadinha. "E como em um passe de mágica, esses trouxas vão me deixar cada vez mais rica." Finalizou, olhando de lado para a amiga. "Almoço?"
gucci . o nome era tão olivia . ao observá-la com o felino aninhado nos braços — bronzeados como os seus — , neslihan era invadida por uma sensação de serenidade . era curioso como , apesar da imagem que a boscarino projetava ao mundo , estar na presença dela lhe trazia um conforto que remontava ao primeiro instante em que foram colocadas lado a lado , tão pequenas , para se entreterem uma com a outra . o elogio velado arrancava um sorriso discreto , reforçando o sentimento de complitude . havia algo na cena diante de si — o pequeno corpo do gato já completamente entregue ao colo de olivia... a gökçe sempre confiara mais nos instintos dos animais do que nos julgamentos humanos e não era à toa que mark , virginia e chaz , assim como francis , henry e angela , adoravam a mais nova , mesmo que ela ainda insistisse em manter a postura meticulosamente calculada com eles .
com os dedos entrelaçados na pelagem irregular do filhote canino aconchegado no próprio aperto , quase pode sentir a inquietação vibrando no espaço entre elas . ❝ não… a armadilha era gucci mesmo . ❞ um riso breve e genuíno escapou de seus lábios avermelhados . ❝ talvez ele pudesse esperar mais um ou dois dias para te conhecer , mas julguei apropriado antecipar o destino inegável . ❞ com um gesto fluído , inclinou-se na direção da amiga , afagando as diminutas orelhas felinas marcadas pelo peculiar padrão de corações . ❝ o que vem a seguir é apenas um bônus… e , por favor , promete me ouvir antes de reagir ? ❞ esperou a confirmação , mesmo sabendo que , com olivia , as direções poderiam facilmente seguir caminhos opostos ao esperado . ❝ ontem soube sobre a… discussão entre você e aaron no the loft . não importa exatamente o que foi dito , nem quem provocou quem primeiro . ❞ os castanhos percorreram a expressão da boscarino antes de tomar uma longa inspiração .
❝ mas eu sei como você fica depois das conversas com ele . e , bom… posso ou não ter advogado a ideia de que , numa próxima oportunidade , ele permita que o passado permaneça apenas nas memórias distantes , sem trazê-lo à tona e apenas... tente . ❞ fixando o olhar ao dela , pendeu levemente a cabeça . ❝ e é exatamente isso que eu gostaria de pedir a você também . sei o que vai dizer — que ele é inflexível , teimoso , que nunca te deu uma chance de se explicar e que ainda insiste em te colocar como a pessoa mais vil a existir . mas acho que você é capaz de entender de onde esses sentimentos nascem . sei a falta que ele te faz , nós fomos partes essenciais um do outro por tanto tempo que perder qualquer um de nós criou um buraco impossível de preencher . você sentiu , eu senti . e ele também . ❞ não havia como negar o que foram — e , talvez , ainda pudessem ser . sem eles , neslihan talvez não estaria ali . e era essa certeza que a fazia persistir em consertar o abismo que os separava . com as reviravoltas e rumores impossíveis que vinham tomando conta da cidade , aquela missão já não parecia tão inalcançável assim . fazia uma anotação mental para sondar olivia sobre aquilo tudo , se alguém soubesse o que estava por detrás dos sussurros de khadel , era a musa . ❝ agora , o que me diz ? meus ouvidos são todos seus . ❞ ofereceu um sorriso suave ao arquear as sobrancelhas .
O apelido escorregou dos lábios de Neslihan com tanta naturalidade que Olivia quase não percebeu o impacto imediato que teve sobre si. Raggio di sole. Era irônico que ela tentasse se manter tão firme e controladora de sua própria narrativa, mas estava contendo seus instintos para não demonstrar o quanto aquele gatinho já a amolecia. Seria mesmo um raio de sol em sua vida, e na vida da felina já tão mimada e introvertida adotada há uns anos pela Boscarino. Aconchegou o filhote contra si, ignorando o modo traiçoeiro como seu coração reagia ao ronronar constante. Tinha plena consciência de que estava cedendo, como sempre acontecia quando Nes decidia testá-la, mas escolheu fingir que ainda lutava contra a corrente. — Olha só, Gucci, você já descolou a melhor advogada da cidade para te defender? — Já anunciou o novo nome do gatinho. O tom leve de uma brincadeira boba, mas que continha um elogio sincero. Olivia admirava a amiga de forma genuína, um dos poucos sentimentos positivos que ainda restavam em si. O olhar deslizou para a amiga exatamente no instante em que o pequeno cachorro praticamente se atirou contra seus pés descalços. Olivia sorriu, conhecendo a outra o suficiente para saber que ela já se sentia conectada ao inocente cãozinho. Já teria um lar, ela pensou. Primeiro ela notou a cena de Neslihan abraçando a bola de pelos desalinhada, depois para a expressão hesitante que se instalou no rosto dela. Talvez eu tenha deixado passar outro motivo pelo qual insisti tanto para que nos encontrássemos hoje em específico. A musa estreitou os olhos. O tom da amiga era carregado de uma delicadeza incomum, um peso sutil escondido entre as palavras. Era um daqueles momentos em que Nes tentava ser cuidadosa, como se pisasse em cacos de vidro para não assustar Olivia com algum assunto que ela, possivelmente, fugiria. Eram tantos, que ela mal conseguia pensar em qual opção seria.
Sentou no lugar indicado, de frente para a advogada, o filhote em seu colo se ajeitou, soltando um pequeno bocejo que interrompeu seus pensamentos brevemente. Olivia olhou para o animal, depois para o brilho dos olhos de Neslihan e para a expressão mal disfarçada de expectativa. — Ah, então essa era a verdadeira armadilha... — murmurou, escapando um riso arfado de quase nervosismo. As pessoas andavam falando muito sobre a maldição, e Olivia adorava a atenção, como todos bem sabem, mas não queria tratar desse assunto com alguém que a conhecia tão bem a ponto de notar todas as mentiras que vinha contando e perceber a sua vulnerabilidade sobre o tema. Cruzou as pernas com a elegância natural de sempre, e observou a amiga por um momento antes de inclinar a cabeça levemente para o lado. — Direto ao ponto, Nesi. — Pediu, com a intimidade que tinham, não precisava fazer rodeios nem conter a impaciência, mas ainda mantendo um tom suave.
você me disse uma vez... a frase reverberava no subconsciente de neslihan enquanto os olhos , estarrecidos , repousavam sobre camilo . como poderia ele considerar um detalhe tão ínfimo sobre ela como algo digno de nota ? era uma possibilidade que lhe parecia remota , dada a compreensão que possuía dele , no entanto , o olhar que ele sustentava a fazia hesitar — seria apenas um artifício de preservação ou uma faceta genuína de sua essência ? o coração ainda acelerado acompanhava cada sutileza de sua expressão , se fosse honesta consigo mesma , reconheceria que , embora ele parecesse ter guardado aquela informação há muito tempo , ela própria não poderia dizer o mesmo a seu respeito . talvez porque , mais vezes do que gostaria de admitir , o considerasse um desperdício de tempo — e , mesmo assim , era inegável a forma como reagia à sua presença . ou , quem sabe , o motivo fosse outro . ali , naquele instante , a morena percebia que , apesar dos excessos , da transparência desconcertante com a qual abraçava o mundo , o ricci não era alguém verdadeiramente aberto . assim como ela .
a constatação prendeu-lhe a respiração por um breve instante . assim como ela... o que , afinal , sabia do homem além da fortuna , das excentricidades e das provocações incessantes ? tinha conhecimento do noivado fracassado com olivia , mas o episódio dizia mais sobre o estado de espírito da amiga do que sobre ele . tinha conhecimento da proximidade dele com graziella , mas , mais uma vez , o fato refletia mais as escolhas dela do que algo sobre ele . fora isso , além da inclinação por qualquer ser com pulso , cognição e idade suficiente para consentir , o único detalhe verdadeiramente genuíno que conseguia atribuir a ele era a fazenda . um pequeno universo à parte , uma utopia quase esculpida a partir dos próprios sonhos infantis — e a única razão pela qual ainda concedia a camilo qualquer vestígio de sua atenção . talvez existisse um oceano de razões para admirá-lo , e , ainda assim , a gökçe jamais as teria enxergado . não quando se recusava a vê-lo sob qualquer perspectiva além daquela que deliberadamente adotara .
a sugestão de um copo d'água a pegou de surpresa . outra vez . pelos cosmos , o que estava acontecendo com ele ? ou , pior , com ela ? seria possível que aquele singelo pedido — não refutá-lo , ouvi-lo em vez de rebater , sorrir ao invés de franzir o cenho — tivesse desmoronado alguma barreira fundamental dentro de si ? era a única explicação plausível para a miríade de reações provocadas por gestos insignificantes do mais velho .
desviando o olhar para os detalhes ao seu redor , permitiu-o deter no menu à sua frente e à medida que percorria cada iguaria descrita , tinha a percepção de que suas pálpebras se expandiam paulatinamente . aquela , sem dúvidas , seria a refeição mais indulgente que já se permitira . sua dieta jamais fora bem-vista no seio de uma família italiana ocidental , não quando khadel estava imersa na região responsável pela criação da carbonara , da bistecca alla fiorentina , da lasagne alla bolognese . neslihan não se importava , a escolha era óbvia , moral e necessária . e , além , aprendera a cozinhar desde jovem , sob a tutela de gioconda . ainda assim , havia algo de tentador na ideia de uma refeição planejada exclusivamente para si , assinada por um chef renomado . com tiramisù para finalizar... poderia viver feliz pelo resto da vida se aquele fosse seu único alimento . a mera antecipação dos sabores fez com que voltasse a atenção para camilo no instante exato em que ele sugeria um bourgogne tinto — a mesma escolha que ela faria , caso estivesse na ofensiva . mas não , seu objetivo ali seria o de defesa . ou era , até o momento em que ele mencionou o grand cru renomado .
as íris , prestes a desviarem-se na direção de aaron e da nova presença na cidade , voltaram-se de imediato para o ricci . assim que o cameriere se afastou , neslihan esqueceu-se , por breves segundos , da necessidade de autocontrole . o suficiente para que as palavras escapassem , incandescentes . ❝ camilo , sabe quantas vidas — humanas ou não — poderiam ser completamente mudadas com o valor de uma única garrafa dessas ? ❞ a extravagância não lhe era estranha — era impossível que fosse , tendo crescido como uma şahverdi . justamente por conhecer as engrenagens daquele luxo desmedido ela nutria um repúdio instintivo por demonstrações tão opulentas . engoliu em seco , sufocando palavras que certamente se seguiriam , e levou o cristal aos lábios , permitindo que o líquido acalmasse o que restava de sua indignação . ❝ peço desculpas , não era minha intenção interferir . ❞ a frase escapou de maneira impecavelmente ensaiada , tão automática quanto as palavras proferidas em sua infância . impressionava-a a facilidade com que certas máscaras se reacomodavam .
podia sentir o olhar castanho pesando sobre si , e alinhou meticulosamente as mínimas expressões . um esforço inútil , com o questionamento que logo seguiu . cinco minutos . nem cinco minutos se passaram , e ela já estava exausta da exaustão . exausta de escolher ao que reagir , de precisar conter-se , de dançar entre extremos . mas mais do que nunca , era grata por ter sido deserdada daquele mundo de artifícios . ❝ a sua presença , é claro . como adivinhou ? ❞ o tom era insuportavelmente doce , carregado por uma ironia impossível de não ser percebida pelo que era , sua irritação . não , camilo , o que me deixa nervosa é precisar ser quem eu não sou para te satisfazer . por mais que aquela fosse uma das verdades , jamais permitiria pensar novamente na outra , que , por um breve instante , suspeitara que ele estivesse considerando um destino para eles em meio à suposta existência da maldição .
❝ ainda que encontros decentes sejam... um tanto raros de serem mantidos nesta cidade— ❞ arqueou uma sobrancelha , ciente de que ele entenderia exatamente a que se referia ❝ —, eu consigo tirar bons momentos . ❞ inclinando levemente a cabeça , permitiu que os fios longos deslizassem sobre um dos braços . o sorriso desenhou-se discreto , a postura impecável — vestígio da criação esculpida pela etiqueta — permanecendo inalterada . um dos punhos repousava sobre a aresta da mesa , enquanto sorvia um gole delicado . somente então voltando a encará-lo . ❝ já você parece extasiado . seria eu ou apenas não está acostumado a ver suas companhias adorarem cada palavra que proclama ? ❞ replicava a indagação com o humor dócil , reparando o jovem retornar com o vinho já no decantador . receava o momento em que o líquido rubro tomasse conta do seu paladar , recordava das notas florais e tato encorpado que ele trazia , e ela sabia como era infinitamente mais fácil reacondicionar-se ao que outrora fora a norma , do que livrar-se dos hábitos .
ele tinha certeza de que se divertiria naquela noite observando o esforço alheio em lhe tratar com o mínimo de gentileza, mas os olhos semicerraram discretamente em um movimento quase imperceptível quando ela devolveu o elogio de um jeito quase sincero, ainda que visivelmente hesitante. não que ele duvidasse da capacidade de neslihan de ser uma pessoa educada e carismática, e também não era como se ele não reconhecesse que a postura da jovem até então era meramente reativa às suas provocações. ainda sim, talvez por estar já acostumado à dinâmica comum da relação dos dois, a suavidade na voz alheia o fez questionar se a gökçe era uma atriz tão boa assim. ele próprio sabia ser - havia aprendido a mentir muito bem. mas raramente o fazia, preferia ser terrivelmente honesto. e o havia sido, quando a elogiara. sorriu para si mesmo, satisfeito, quando ela confirmou a preferência pelo local externo. muito embora neslihan fosse indubitavelmente refinada e tão rica quanto o ricci (ou ao menos não tão distante disso), já havia se deparado com a jovem em sua fazenda um bom par de vezes, suficiente para reconhecer nela uma ou outra similaridade consigo. ele não diria em voz alta, e com certeza ela odiaria reconhecer, mas não passava despercebido que eles tinham um número razoável de coisas em comum. camilo não tinha qualquer noção a respeito do passado da turca, e duvidaria que havia sido parecido com o dele, mas haviam certas prioridades na vida de ambos que se convergiam. além do cuidado exímio que ela havia demonstrado com os animais resgatados, milo se recordava de vê-la cavalgar como se o vento no rosto naquele ato fosse o mais perto de uma verdadeira liberdade que ela jamais teria. podia ser coisa de sua cabeça, somente o instinto humano de espelhar os próprios sentimentos nos outros. não se atreveria a perguntar, e era uma mera especulação de sua parte. foi por isso que presumiu que ela apreciaria o ambiente externo, independente do quão impecável estivesse o interior do restaurante.
franziu a testa diante da pergunta alheia, achando certa graça na questão. não era um segredo, certo? "você me disse uma vez." nos estábulos da fazenda, completou mentalmente. "eu não me esqueço do que considero importante." com segundas intenções ou não, ela era uma figura presente com certa frequência em seus dias, e aquilo parecia um detalhe não menos do que imprescindível de se recordar. além do mais, lembrava-se de pensar que aquele detalhe era bastante condizente com sua persona. amor pelos animais, senso de justiça, determinação - simplesmente fazia sentido. ainda que sua frase tivesse sido uma resposta direta e sincera, esperava alguma provocação da parte dela como de costume, mas no lugar de palavras neslihan pareceu ter um repentino acesso de tosse. pego de surpresa, piscou algumas vezes tentando compreender o que raios havia acontecido, mas antes mesmo que pudesse questionar ou sugerir alguma solução, o acesso de tosse da mais nova se interrompeu tão rápido quanto iniciou, e ela o puxou restaurante adentro, como quem buscava acabar logo com a tortura. a própria mulher deu o nome da reserva (embora fosse desnecessário, considerando o recém status de sub celebridade de ambos) e tão logo ambos se encontravam sentados à mesa perfeitamente posta e romanticamente decorada.
como se ela não tivesse praticamente corrido até ali, neslihan agiu normalmente assim que se acomodou na cadeira. isto é, quase. a doçura na voz agora era um pouco diferente da suavidade do primeiro comentário que lhe dirigira, e camilo ergueu uma das sobrancelhas, observando entretido, como quem observa um malabarista no trânsito. entre uma frase e outra ele enfim se localizou melhor no que acontecia, percebendo que neslihan fazia exatamente o que ricci havia exigido: tratá-lo bem durante toda a noite. quando ouviu o apelido utilizado por ela deslizar pelos lábios bem desenhados, ele deu risada. olhou para o garçom que aguardava as instruções. "primeiro, poderia trazer um pouco de água para a senhorita?" ela havia quase falecido há meros segundos, ora essa. "e eu acredito que um pinot noir seja uma boa opção hoje" ele já sabia as opções que a sua mesa teria, e portanto o vinho tinto combinaria com todas elas. como opções de entrada, haviam preparado bruschetta de tomate com manjericão e creme de balsâmico e uma salada caprese com pesto de pistache. para o prato principal, as opções eram ravioli de ricota e espinafre com manteiga e sálvia, servido com parmesão e pimenta preta, e risoto de cogumelos porcini e trufa. já para a sobremesa poderiam pedir tiramisú clássico e panna cotta de lavanda com coulis de framboesa. os pratos estavam descritos no pequeno menu personalizado e disposto na mesa em frente a cada um deles. "domaine de la romanée-conti, por favor." comparecia ao restaurante o suficiente para saber que eles tinham aquela opção. o rapaz maneou a cabeça e se retirou, aparecendo segundos depois para servir primeiramente a água para neslihan, antes de buscar o vinho solicitado. somente então pôde olhar em volta e absorver o quão impressionante estava a decoração. normalmente havia um pouco mais de iluminação do lado de fora, mas notou que o estabelecimento havia deliberadamente os deixado basicamente á mercê das luzes das velas, da lua, e da iluminação do ambiente interno que inevitavelmente refletia onde estavam. e como se a noite houvesse sido fabricada perfeitamente pelo restaurante, o céu estava limpo e repleto de estrelas, e a temperatura da noite estava suficientemente amena para permitir tanto o vestido aberto de neslihan, quando as mangas longas do terno de camilo. ele a observou uns segundos. "você parece mais nervosa do que eu esperava. quer dizer, você está sempre nervosa, mas agora parece... nervosa." ela saberia interpretar a diferença dos dois termos. "isso tudo sou eu? ou você simplesmente não está acostumada com encontros decentes?" camilo sabia agir como um cafajeste tão bem quanto agir como um cavalheiro. a diferença era seu interesse, a depender do momento. ele arrumou os óculos, aguardando a resposta, curioso não apenas por ela, mas pelo tom que a jovem utilizaria. o quanto duraria a docilidade alheia?
com os antebraços apoiados contra a pegajosa bancada , a pele despida do blazer e sobretudo se arrepiava contra o ar palpável do the loft. neslihan questionava se aquela realmente era uma boa opção para finalizar o dia que a exaurira , mas a certeza de negronis de proveniência questionável — dos quais já havia consumido o suficiente para justificar a postura desalinhada — firmava sua permanência por um interlúdio. o gravame psíquico arqueava os ombros , os nervos tilintantes suprimindo o que restava de paciência em seu âmago , e somente a noção de estar sozinha , ainda que cercada de pessoas , a fazia respirar pausadamente em tentativa de conter o ímpeto que se alastrava. não só pela sandice que parecia ter tomado khadel que o estado de humor mordaz da gökçe se manifestava , mas também pelo caso de severidade peculiar que havia chegado em suas mãos — a complexidade similar ao último , e único , litígio malsucedido de sua carreira. a memória escaldante , marcada não só pela vaidade ferida , mas pela sensibilidade do assunto e as figuras associadas , permanecia um peso em suas entranhas , a impregnando de amargura. por breves instantes almejou uma presença com quem pudesse exorcizar o sentimento , mas rapidamente rejeitou a noção como uma simples frivolidade. o fim de mais um negroni entre as palmas — frias ao toque , mas abrasadoras contra o delicado vidro — , preparava-se para adornar as feições com um breve sorriso e solicitar outra sequência do drink , quando os sons dispersos do bar e o inconfundível timbre da última pessoa que desejava encontrar , fosse naquele instante , ou em qualquer outro , se quisesse ser honesta , a alcançaram em um único impulso. todo o amargor que fervilhava em seu íntimo encontrou escape diante da voz que transbordava arrogância, como se a verdade fosse sua propriedade exclusiva , e ele , o único digno de desvendá-la. a risada carregada de escárnio escapou os lábios ainda tingidos do habitual carmesim antes mesmo que pudesse pensar em reprimi-la — não que fosse fazê-lo de qualquer forma. ❝ ah , claro... e você é a maior autoridade em amor que existe , não é mesmo , d'amato ? ❞ as orbes vagamente turvas atinham-se ao homem , a meros dois bancos de distância. a quanto tempo ele estava ali?
❝ com todas as suas brilhantes músicas e poesias verbais , como não ser. ❞ os lábios repuxavam-se sutilmente em ironia , o desprezo francamente exposto. ❝ conte-nos mais sobre o que é o amor , como é o sentimento , christopher ? é ser superficial e arrogante ? dar as costas a quem precisa ? ou fazer tudo o que é mandado somente para não ter que lidar com o sentimento de fracasso ? ❞ a cada questionamento o corpo inclinava em direção a ele , o olhar ácido corroendo a si mesma. ❝ é claro que a maldição é uma falácia , mas não porque ninguém — além de você , é claro , chris- ❞ o epíteto soava como um sibilo na língua feminina. ❝ sabe identificar o amor , mas pelo simples fato de que. o. amor. não. existe. ou você acha mesmo que se existisse o mundo seria como é ? ❞ considerando o assunto encerrado , o ar nocivo , até então aprisionado em seus pulmões , finalmente expelia. ajustando a postura com precisão , os olhos se fixaram na rodela de laranja que adornava o copo , como se fosse um ponto de contemplação existencial.
closed to @neslihvns, no bar.
Era final de tarde quando ele entrou no bar. Após um longo dia, repleto de comentários e da presença desnecessária do pai em seu escritório, a única coisa que Christopher conseguia pensar era que precisava de uma boa dose de whisky. Talvez mais de uma, isso se ele quisesse ter chances de acordar relativamente bem humorado no dia seguinte.
Acomodou-se em um dos bancos próximos da bancada e esperou pelo atendimento. Geralmente quando ia ali, Christopher exibia um sorriso simpático, que fazia com que as pessoas quisessem se aproximar dele naturalmente, mas naquele momento, seu esgotamento mental era tamanho que ele sequer era capaz de fingir normalidade. O garçom, que já o conhecia, tentou puxar assunto enquanto servia a dose costumeira de whisky, falando sobre as recentes histórias dos apaixonados, mas tudo o que conseguiu foi incomodá-lo mais.
"Você realmente acredita nessa história de maldição?" Questionou, o cenho franzido em uma clara expressão de julgamento. "Não te causa nem um pouco de estranhamento um monte de gente que se julgava incapaz de amar começar a amar após dois estranhos saírem gritando que estão apaixonados?" Os dedos se fecharam ao redor do copo que prontamente foi levado em direção aos lábios para que ele sorvesse um gole curto do líquido âmbar. "Isso não existe. Esse boom de histórias nada mais é do que um efeito manada. O amor sempre esteve por aí, e graças ao fato da maioria não saber como senti-lo, criou-se essa história boba pra ser usada como justificativa." Finalizou como se estivesse dizendo algo óbvio, não percebendo um rosto conhecido que estava próximo.
ainda que o tempo os tivesse transformado em completos desconhecidos emocionais — não que a proximidade outrora compartilhada tivesse sido imensamente profunda, e tampouco por falta de vontade de sua parte — em khadel , era virtualmente impossível não ser alcançada por sussurros e boatos sobre qualquer um . de longe , acompanhara a ascensão de matteo , do antigo companheiro de estudos ao influencer e modelo reconhecido , desejando poder oferecer sua alegria que sentia ao vê-lo conquistar e alcançar , ainda que de uma maneira contra ela mesma lutava , aquilo que sempre almejara . então, neslihan jamais acreditara que ele precisasse se transformar para ser aceito , não quando sempre fora extraordinário sem qualquer esforço . sentia o olhar dele pousado sobre si , aquela sensação estranha e , ao mesmo tempo , agridocemente familiar , reacendendo a habilidade que desenvolvera na adolescência de perceber a presença dele sem que uma única palavra fosse dita . evitava pensar na forma como havia desfeito aquele laço , como simplesmente o ignorara sem explicações , sem justificativas , e , mais ainda , na maneira silenciosa com que ele aceitara sua ausência . vê-lo com olivia não a surpreendera — faziam sentido juntos . e , sendo ambos absurdamente especiais , se encontrassem felicidade um no outro , ela comemoraria . mas então , como era da curiosa norma da cidade , distanciaram-se , e a gökçe jamais ousou mencionar matteo à boscarino .
volvendo a atenção para a raquete que parecia quase anciã no aperto masculino , custava a crer que ele a mantivera todos aqueles anos . notava os vestígios de poeira ainda presos entre as cordas , assim como as figuras que colara pouco antes de matteo tomá-la emprestada e jamais devolvê-la . não que houvesse se importado na época , nem mesmo quando fora punida por kadir pela suposta irresponsabilidade de tê-la perdido . sua mente adolescente , fascinada , via no gesto uma tentativa inconsciente de manter consigo algo dela . assentiu quando ele confirmou que já não praticava tanto e riu baixo ao perceber a forma como se corrigia , como se as palavras lhe escapassem quase em confissão , e ante o leve rubor que tingia a pele bronzeada. ❝ bem , imagino que não sobre muito tempo , entre a academia e o seu trabalho . ❞ deu de ombros , encontrando os olhos dele , um sorriso genuíno curvando os lábios . ❝ falando nisso , acho que não cheguei a te dizer como fiquei feliz pelo seu sucesso . ❞ achar era um eufemismo indulgente — não o dissera , arrependida da turbulência que a engolira e fizera com que o deixasse para trás . e não era apenas felicidade o que sentira na época — mas orgulho .
por um instante , observou-o alongar . os movimentos agora eram fluidos , tão distintos da postura inibida de quando eram mais jovens , e ainda assim havia nele um resquício do garoto que , de alguma forma , conquistara partes da criança e da adolescente que ela fora . ❝ posso moderar meu ritmo para ser mais justa , embora duvide que seja necessário . você está muito mais... em forma do que me lembro . ❞ piscou para ele , tentando disfarçar a hesitação sobre o adjetivo a ser usado , sem revelar os verdadeiros pensamentos . meneou a cabeça para si mesma antes de girar nos próprios calcanhares em direção à lançadora , empurrando a máquina para a linha lateral e recolhendo as bolas sobressalentes . lançou uma para as imediações da rede , para ser utilizada , quando a hesitação na voz alheia a fez pausar por alguns instantes , de costas para ele . por cima do ombro , encontrou o olhar que a acompanhara . ❝ levando em consideração tudo o que aconteceu e vem acontecendo... surpreendentemente ainda sã , e você ? ❞ aproximando-se , abaixou-se para apanhar a esfera amarelada e felpuda que havia arremessado . ao se erguer , apoiou um dos quadris contra o poste , aguardando-o finalizar . ❝ e como está signorina giulia ? sabe que ainda sonho com os cannolis que ela fazia ? ❞ recordava-se da figura materna do bianchi , por vezes , com mais afeto do que da própria , e o termo respeitoso escapava dos lábios com a mesma naturalidade que parecia ter voltado a ela sem que percebesse .
Não podia deixar de notar como ela havia ficado mais bonita. Mesmo na adolescência, Neslihan já atraia olhares — ao menos o seu olhar. Era um garoto magrelo e estranho com a única garota que era legal com ele, obviamente ele não era exatamente imune. E ela era bonita. Nada daquilo exatamente ajudava nas sessãos de estudo que tinha com ela. Os cabelos escuros estavam repuxados para trás num familiar rabo de cavalo, e ele se lembrava de como ela também puxava os cabelos para fora do rosto enquanto estava pensando. Quando era adolescente, ele era bem familiar com o perfil da mulher, espiando entre um exercício ou outro que não conseguia entender. Agora, não fazia questão de esconder que estava olhando diretamente para ela, afinal só haviam os dois naquela quadra.
"Nes," cumprimentou despojadamente. Apesar da distância entre eles, tanto física, quanto emocional, o apelido rolava dos seus lábios com facilidade e uma familiaridade estranhamente reconfortante. Não era exatamente como se soubesse o motivo deles terem se afastado. Não havia sentimento ruim da sua parte. Era apenas como se tivessem descobrido o quão diferente eles eram. Neslihan era muito boa para ele, no sentido que ela havia sido uma das poucas pessoas a ser gentil e amigável, de ter diversas vezes se colocado entre os tiros dados para ele. Ao mesmo tempo, ela era muito melhor que ele em tudo. Havia mais financeiramente, materialmente, emocionalmente, em seu raciocínio. Ele constantemente se sentia um completo desajustado ao redor dela. Era como se ela refletisse todas as coisas em que ele falhava miseravelmente. Ao mesmo tempo, ela não o fazia se sentir mal consigo mesmo. Não, Matteo fazia tudo aquilo dentro da sua própria mente, enquanto Nes não era nada além de agradável. Quando Matteo finalmente começou a não se sentir tanto o patinho feio... Ela já estava distante. Seu ego talvez tivesse ficado um pouco ferido de nunca poder ter mostrado seu outro lado, mas não havia ressentimentos da sua parte. Só não sabia se havia algum da parte dela, do motivo que poderia ter levado ao seu afastamento. "Não venho há algum tempo," falou, notando que não era exatamente a verdade e, junto dela, se sentia compelido a falar a verdade, mesmo que não viesse com naturalidade, "na verdade, não venho faz alguns anos." Sentiu o rosto aquecer levemente com o fato que as palavras rolavam com mais facilidade do que gostaria. O sentimento de familiaridade ao redor dela, como se tivessem estacionado no tempo. Talvez Matteo precisasse de passar algum tempo fora da academia e com um outro ser humano porque aquela carência para alguém que não lhe dava atenção num período de quase treze anos deveria ser deprimente.
"Aceito a companhia," ele disse, deixando a própria sacola cair próxima dela com a raquete também repousada no chão enquanto se curvava sobre as pernas num aquecimento rápido, "mesmo que já sabemos que vai ganhar, não é?" Suas habilidade com a raquete poderia ter melhorado, mas nada se comparava com todo o treino que ela havia tido durante anos. Para Matteo, aquele esporte era um passatempo na sua rotina que ainda o mantinha ativo, mas ele achava que era mais que aquilo para ela. "Como—como você está?" Perguntou de forma hesitante, mas inocente. Não queria pular para o assunto da maldição, da cachoeira, nem que havia visto ela com Camilo no restaurante. Ele queria ver se o senso de familiaridade que sentia era apenas coisa da sua imaginação ou se ainda existia alguma camaradagem entre eles.
✉️ : ao menos quando eu arrancar seu ego com as minhas unhas , saberá que foi o instinto animalesco que instigou em mim
✉️ : aceito que perdi por conta do seu roubo
✉️ : perfeitamente contente em ser o sr. darcy para você então
✉️ : será que o buzzfeed está aceitando que animais criem testes agora ? vou voluntariar chaz e virginia , eles seriam capazes de montar um melhor do que esse que fez
✉️ : sonharei com você quando tiver a intenção de ter mais pesadelos do que o costume
✉️ : e camilo ? gentileza perder o meu número e só me contatar via carta
📲 [milo]: sou conhecido por instigar instintos animalescos mesmo
📲 [milo]: estou na página 54, mas vou ter que voltar algumas. as que eu li ontem, suficiente dizer que eu estava meio fora de mim
📲 [milo]: fechada, orgulhosa, pouco acessível…
📲 [milo]: mas justa não sei. pra isso, você teria que aceitar que perdeu
📲 [milo]: eu sou a elizabeth! fiz até um quiz na internet, então é um fato cientificamente comprovado
📲 [milo]: e vai ser a melhor noite da sua ;)
📲 [milo]: te mando mensagem depois com os detalhes da reserva, agora vou continuar lendo, sra darcy
📲 [milo]: sonhe comigo
desde a mais tenra infância , neslihan fora moldada sob a rigidez do dever , envolta em ouro , mas contida por correntes invisíveis . sua existência sempre se definira por uma dolorosa dualidade , a necessidade de sentir em contraste com a imposição do autocontrole , o embate incessante entre o querer e o dever . esse conflito , enraizado em sua mente , tornara-se a fratura primordial que assombrava a parte mais sombria de seu passado . culpava , sim , a figura paterna por parte das feridas que lhe foram infligidas , algumas delas irreparáveis . no entanto , via na fragmentação de seu próprio ser uma obra cuja autoria também lhe pertencia . daquela tragédia , restara-lhe um âmago parcialmente enrijecido — sua visão de mundo tornara-se austera , seu julgamento sobre as pessoas , inflexível , e sua postura perante a própria existência , uma fortaleza intransponível . e camilo era o oposto exato de cada uma dessas certezas . para ele , tudo parecia fluido demais , como se suas convicções mudassem com a mesma facilidade com que trocava de roupas ao amanhecer , como se suas verdades fossem tão voláteis quanto os humores de um único dia .
ela não se iludia ao pensar que compreendia todas as nuances que o compunham, mas o conhecia o suficiente — anos de observação cuidadosa e encontros forçados ao lado de vincenzo ricci e aquele sobrinho haviam lhe dado a convicção de que alguém criado sob a tutela do patriarca dos ricci não poderia desviar-se tanto assim do molde original . não importava que ela própria fora forjada sob a sombra de um homem igualmente desprezível e , ainda assim , renunciara a cada valor que lhe fora incutido . não via nele a mesma ânsia de se libertar , a mesma necessidade de transcender a redoma em que cresceram . curioso como ela era capaz de vislumbrar potencial até nas circunstâncias mais desoladoras , mas quando se tratava das pessoas ao seu redor , seu olhar se tornava opaco . talvez fosse uma falha evidente para qualquer observador externo , mas naquele momento de sua vida , preferia envolver-se no véu confortável da negação . havia algo de insistente nessa postura , um reflexo interno que , por vezes , ameaçava ceder — mas então camilo lhe recordava exatamente por que isso jamais aconteceria .
bastava um gesto , um olhar carregado daquela insolência que a irritava profundamente , um simples pronunciar do apelido em seus lábios para inflamá-la de fúria… ou , se fosse brutalmente honesta , algo mais . ❝ vou providenciar . amanhã de manhã a lista completa estará na sua caixa de entrada . ❞ e assim o faria , nem que precisasse atravessar a madrugada compilando meticulosamente cada detalhe sobre o valor de cada gole do bourgogne . ❝ entendo . nem todos os homens conseguem portar-se com a sensualidade inerente de um jardineiro . ❞ a voz adquiria um timbre aveludado . ❝ todos aqueles músculos à mostra , o suor misturando-se ao aroma da terra molhada… uma essência irresistível . ❞ pareava a provocação dele , acrescentando um piscar de olho deliberado .
a observação alheia foi recebida com um sutil estreitar das íris castanhas , enquanto a sobrancelha dele se arqueava . ela seria a última a negar o que ele insinuava , por ser a mais pura verdade . o medo corria demasiado forte em suas veias para que pudesse ceder o controle e , mais uma vez , encontrar-se à deriva — presa em uma circunstância desconhecida , sozinha , dissociada de tudo que a compunha , sem sequer lembrar o que fizera para ferir quem quer que fosse . manter o domínio sobre qualquer situação que a envolvesse era a única forma de garantir que , se houvesse dor , ela fosse restrita a si mesma . ❝ não há nada demais em querer manter o controle . pelo contrário , é uma forma de satisfação como nenhuma outra . ❞ camilo não era o primeiro , e certamente não seria o último , a insinuar que sua existência dentro de uma bolha de restrições autoimpostas a condenava à infelicidade . mas vindo dele — com aquela despreocupação boêmia , aquela facilidade irritantemente leviana — , a fala ressoava como brasa queimando em seus pulmões . ❝ apreciar os prazeres da vida é uma coisa . ser completamente inconsequente ao fazê-lo é outra . saber dosar quando , como e onde os aproveito apenas prolonga a sensação de contentamento . não abro mão do que me satisfaz , apenas não me entrego aos impulsos como se o mundo fosse se desfazer em um piscar de olhos se não o fizer . ❞
levantou a taça quase vazia , deixando que o vinho deslizasse pelo paladar , apreciando a textura aveludada que o carmesim lhe proporcionava . ignorou o impulso de revirar os olhos , assim como a tentação de comentar sobre o sorriso alheio — embora , caso se permitisse um instante de análise , talvez concordasse . as palavras dele , ainda que envoltas naquele flair característico , traziam o peso de algo que lhe apertou a respiração por um breve instante , dissipando-se logo em seguida com um menear dos fios e a litania posterior . um riso seco escapou dos lábios ainda tingidos de rubro . ❝ tenho dificuldade em acreditar porque não sei se suas ações são genuínas , camilo . ❞ não se tratava de charme , como ele sugeria . a verdade era mais crua , neslihan simplesmente não sabia como reagir a ele de outra maneira que não fosse com ferocidade . não sabia se os gestos dele eram sinceros ou se carregavam as segundas intenções que pareciam reger cada um dos seus encontros , fosse naquele momento ou em qualquer outro .
com apenas duas palavras , o ricci dissipava o pulso inquieto que as provocações dele instigavam . havia algo na sinceridade que interrompia qualquer pensamento alheio naquele instante , deixando apenas um eco silencioso que se espalhava até as pontas dos dedos — uma sensação estrangeira . com um aceno hesitante , aceitou o pesar que ele oferecia . talvez aquele fosse um dos raros momentos em que poderiam ser genuínos um com o outro , sem a necessidade de pretextos . ela sequer era nascida quando a mãe de camilo fora internada e jovem demais para recordar-se do momento em que a doença lhe roubara a vida , mas a história era de conhecimento geral , e a morena sentia a perda dele como apenas quem já houvesse experimentado dor semelhante poderia compreender . imaginava que , para uma criança , a ausência materna fosse ainda mais avassaladora do que para um adulto — como fora em seu caso . mas mesmo tendo quase duas décadas a mais ao lado da própria mãe , por vezes parecia que münevver muito antes deixara de pertencer ao mundo dos vivos . a fisgada que a lembrança causava era lancinante , embora logo se dissolvesse diante da confusão provocada pelo gesto dele ao erguer a mão em sua direção .
o riso masculino percorrendo a extensão da pele exposta era o motivo por finalmente conceder , embora as palavras ditas em divertimento recobrassem a consciência de algo que não saberia nominar . com a palma aninhada no aperto alheio , neslihan inclinou-se , os dígitos formigando antes mesmo de entrarem em contato com os fios acetinados . seguiu o movimento conforme ele guiava , podia sentir o calor que ele irradiava subir pelos braços , até que o toque feminino encontrou o pequeno relevo , uma resistência sob a superfície . assentiu ao questionamento antes de pender a cabeça , enredando os dedos pela pele alheia enquanto ele explicava . a menção de um acidente — automobilístico , como aquele que ela mesma protagonizara — provocou um breve sobressalto com semelhança inesperada .
assim que sentiu o fragmento incrustado , poderia ter retirado a mão , encerrando ali a conexão , mas não o fez . não até que ele finalizasse , até que aumentasse a distância entre eles e desfizesse a leve pressão que os mantinha ligados . só então neslihan recolheu o braço , cerrando o punho de maneira quase imperceptível antes de repousá-lo no colo , onde o linho do guardanapo descansava sobre as pernas . desanuviando a garganta , que de súbito pareceu ressequida , indagou . ❝ e não te incomoda em nada ? não é perigoso que permaneça por todo esse tempo ? ❞ as perguntas saíam com mais curiosidade do que desejava , com uma preocupação que transparecia em excesso clareando a voz . embora ela própria não apresentasse sequelas físicas do acidente de tantos anos , as invisíveis a atormentavam mais do que qualquer cicatriz que pudesse ser vista .
esboçou um sorriso diante da colocação dele , embora os ombros permanecessem retesados sob o formigamento que ainda reverberava da palma para o restante do corpo . enquanto ele ponderava sobre o que compartilhar , por um longo momento , manteve as íris fixas na expressão distante que se instalava nas feições do mais velho . percebia , então , que já fazia algum tempo que seus olhos não sentiam a necessidade de se desviar da intensidade que camilo personificava . a constatação a fez quebrar o contato visual de imediato . refugiou-se no cristal vazio sobre a mesa , nos talheres de prata quase intocados , na comida negligenciada , no tecido carmesim que deslizava sobre suas pernas conforme as descruzava e cruzava no lado oposto . na tentativa de não ser consumida — seja lá pelo que estivesse tentando enraizar-se dentro dela naquele momento — precisou piscar algumas vezes quando a voz grave rompeu o silêncio , trazendo-a de volta à realidade antes que se perdesse nos próprios devaneios .
com a simples menção da fazenda , soube que a história recontada puxaria as cordas de seu coração . era inevitável . sabia bem o que ele fazia por aquele lugar e , se camilo tivesse consciência , entenderia que essa era a única fraqueza que poderia usar contra ela . o repuxar dos lábios se expandiu de forma quase natural , mas logo tomou um arco agridoce . amor . antes que ele enunciasse a palavra , ela já a havia formado em sua mente . a história que ele tecia era uma representação genuína do que o amor poderia ser , e pela primeira vez , talvez neslihan compreendesse um módico do que aquele sentimento mítico significava . com os olhos mais úmidos do que o tempo permitia , engoliu em seco antes de menear os fios levemente . ❝ que bom que ela escolheu a pessoa certa para cruzar o caminho . ❞ a sinceridade na entonação era mais palpável do que gostaria , mas já não se esforçava tanto para controlar cada flexão de sua voz , calcular cada gesto . ❝ e… ela está bem hoje ? foi adotada ou continua por lá ? ❞ não ousaria pedir que ele a mostrasse , fosse o caso , mas tinha a amizade de esperanza há tempo suficiente para saber que a mulher a guiaria mesmo sem um nome .
e então, mais uma vez , ele insistia em se esconder sob aquela fachada . já não restavam dúvidas de que era um disfarce — não para ela . ali , a forma como o ricci a vestia como uma segunda pele era escancarada , mais espessa do que a verdadeira , uma armadura que rivalizava com a que ela própria carregava , feita de controle e distância . ❝ não , ainda não tive o imenso privilégio de presenciar cena tão deplorável quanto ver mulheres se atirando em sua direção por conta de um sorriso bonito e um animal adorável nos seus braços . ❞ mesmo com a sobrancelha arqueada em ironia , as palavras não carregavam a mesma mordida usual .
com uma mordiscada na mozzarella , permitiu que o sabor suave , amanteigado e fresco se espalhasse pelo palato . tomando o cristal entre os dedos , levou-o aos lábios , sorvendo o líquido por completo antes de ceder-se a mais uma dosagem do grand cru . permaneceu em silêncio por alguns instantes , recuperando a memória exata do momento em que uma decisão infantil selara algo que a acompanharia até a morte . ❝ bem , tinha exatos seis anos . era o dia do meu aniversário e , como sempre , um banquete era esperado . não importava que , entre os convidados , houvesse mais parceiros de negócios do meu pai do que amigos meus — liv estava lá , e era a única . ❞ concedeu brevemente , antes que a lembrança a puxasse de volta . ❝ estávamos brincando , a contragosto de muitos , porque onde já se viu uma criança querer brincar na própria festa ? e , sem querer , acabei entrando na cozinha . era um território proibido nos dias de comemoração . ❞
hesitou por um instante antes de continuar . ❝ e diante dos meus olhos , estava o cozinheiro abatendo alguns coelhos , enquanto partes de cordeiros , em diferentes estados , espalhavam-se pelas panelas e ilhas . lembro de sentir um pedaço de mim se esvaindo junto deles , e ali prometi que jamais compactuaria com aquilo . ❞ a voz , ainda que suave , conotava a mesma firmeza de quando tinha a pouca idade . ❝ palavras fortes para uma criança que dependia dos outros para se alimentar . no início foi... complicado , mas uma vez que meu pai percebeu que aquela era uma batalha perdida , tive gioconda ao meu lado . ❞ omitia a parte em que o homem a deixara dias sem comer como punição , ou quantas vezes precisou desmaiar de fome diante dos conhecidos dele até que sua vitória fosse concedida . aqueles detalhes camilo não precisava saber . tampouco que , ironicamente , a recordação estava entre as mais felizes que guardava sob o teto dos şahverdi — puramente ligada à presença da cozinheira que lhe ensinara tudo o que ainda recordava no presente .
tomando mais um gole do vinho , levou a manicure até o queixo , como se pensasse profundamente a questão seguinte . ❝ se você pudesse mudar apenas uma coisa na sua vida , o que seria ? ❞ já que a proposta inicial dele , ainda que dúbia , era se conhecerem , neslihan não se manteria na superfície rasa onde ele parecia querer conduzi-la . ainda que , até ali , nenhuma resposta dela — ou dele — tivesse sido menos do que carregada .
o problema de pessoas como neslihan era que através de suas lentes duramente arbitrárias, por vezes colocavam-se em um lugar de condescendência que as cegavam para qualquer não obviedade. camilo podia não ser o maior filantropo (ou sequer ser considerado um de qualquer modo), mas antes de qualquer coisa, o ricci não saía de seu caminho para prejudicar ninguém. não era um homem bom, mas será que era justo considerá-lo um homem mau? egocêntrico, sim. superficial, com toda certeza. mas no final das contas, não havia verdadeira maldade nele. o trabalho com os animais poderia ser um bom indicador de que ele não era fisicamente incapaz de fazer o bem, e por mais que muitos pensassem que aquilo não passava de uma fachada, neslihan o observara na fazenda vezes o suficiente para reconhecer a autenticidade de suas intenções. assim ele presumia, pelo menos. ‘se mudar a vida de uma única pessoa, já terá feito mais do que espero de você.’ o sorriso quase vacilou, a postura alheia e os dizeres descrentes o atingiram um pouco mais do que estava disposto a demonstrar. camilo podia se considerar o centro do próprio mundo e priorizar a si mesmo com frequência, mas estava absolutamente distante do exemplo de amor próprio. alguém tão indulgente em pecados do mundo, tão irresponsável e auto destrutivo não poderia ter qualquer carinho sincero por si mesmo. o olhar da turca o recordou, por alguns segundos, que aquela era simplesmente a sua sina: sempre esperariam o pior dele. sua família, seus colegas, desconhecidos, todos. palavras que ouvira por anos de seu pai reverberaram no fundo da mente, mas balançou a cabeça em uma tentativa de afastá-las. não era momento de auto piedade. chegou a pensar em valentina, em como se dedicara nos últimos dez anos para garantir que a garota tivesse as melhores oportunidades. poderia ele considerar que havia ajudado a melhorar uma vida, quando também fora responsável por destruí-la antes? “por que não faz uma lista, hani? assim não deixamos nada disso escapar.” afirmou, beirando a provocação, embora ainda fosse sincero. “eu só prefiro ter alguém para plantar as árvores. não fico bem de jardineiro”
a resposta a respeito de suas vontades fora intrigante. “são palavras demais pra dizer que você tem medo de perder o controle” devolveu, arqueando uma sobrancelha. se camilo era excessivamente indulgente, neslihan parecia o oposto. como se transformar a vida em uma sucessão de represálias fosse nobre. “existe muito valor na liberdade de admitir que a vida vale a pena pelos prazeres que proporciona. em reconhecer que você não é melhor que ninguém por abrir mão disso, só… menos feliz” deu de ombros, finalizando o conteúdo da taça. não evitou uma risada sincera com o comentário seguinte, assentindo em concordância. “o que posso dizer? meu sorriso é muito bonito” dessa vez havia leveza no tom, demonstrando que pelo menos naquele ponto ela havia vencido o embate de provocações certeiras e ininterruptas. “nah. prefiro algo mais…” gesticulou para ambos, indicando que falava sobre o encontro. “…estimulante.” a conversa entre eles era sempre interessante, afinal. “duvido que você acredite em qualquer gentileza da minha parte, neslihan” e somente poderia torcer para sua inclinação dramática lhe conferir a mesma qualidade de um ator ao tentar disfarçar o resquício de ressentimento em sua frase. “até porque, convenhamos, é o que estou fazendo a noite toda e você continua convencida do contrário” o carro, os elogios, o menu, a água, a mesa na parte externa… não havia sido menos do que gentil até então. vulgar, quem sabe, mas certamente longe da grosseria. “mas tudo bem. faz parte do seu charme” complementou, piscando um dos olhos.
esperou uma resposta evasiva, ou uma história de pouca importância. o ocorrido descrito pela gökçe apenas provava que muito embora ele soubesse interpretar pequenos sinais muito bem, estava longe de considerar que a conhecia o suficiente. pego de surpresa diante da franqueza, ouviu com atenção. a informação da morte de sua mãe não era inédita (todos sabiam naquela cidadezinha), mas não pôde evitar se abalar com o assunto. era seu calcanhar de aquiles, mesmo. “sinto muito” e de tudo o que havia falado a noite inteira, aquelas duas palavras provavelmente carregavam a maior carga de honestidade até então. nem havia notado que mal se dedicara à comida exposta a sua frente, dada tamanha atenção que a mulher detinha. ainda que o assunto da morte da figura materna fosse o que mais lhe havia chamado atenção, não deixou de perceber a coincidência escondida na menção de um acidente. assim que a pergunta foi devolvida, ele soube exatamente o que contar. estendeu a própria mão, pedindo a dela. riu quando notou a confusão e receio nos olhos alheios. “não vou morder. nem te pedir em casamento. prometo” e esperou que a jovem colocasse a mão sobre a dele. assim que o fizera, camilo a levou até a parte de trás da própria cabeça, pouco acima da nuca, entre os fios escuros. tateou o local com a mão feminina, até o indicador da mais nova encostar em uma pequena protuberância que facilmente passaria despercebida. “sentiu?” aguardou alguma confirmação. “é um fragmento bem pequeno de vidro, de um acidente de carro há uns bons anos. era mais perigoso uma cirurgia para retirar do que não fazer nada. então decidiram deixá-lo” era um lembrete dolorido do passado; do enorme erro cometido. não comentou sobre como o acidente havia ocorrido e nem o fato de não estar sozinho na ocasião. aquilo, por hora, ainda preferia manter em segredo. “para ser justo, a equipe médica que me atendeu também sabe disso. mas eu nunca contei, eles só estavam lá” brincou, soltando sua mão e finalmente provando a comida disposta à sua frente.
“uma ótima pergunta” reconheceu, reclinando-se para pensar melhor. já havia vivido tanto, feito tanta coisa… o que, de fato, o havia surpreendido? não sabia quanto tempo havia ficado em silêncio, perdido em pensamentos, mas quando se deu conta a resposta desencadeou a deixar os lábios sem qualquer auto controle. “sabe que a fazenda começou por uma ideia do meu pai? por um motivo... menos do que nobre. quer dizer, eu sempre gostei de animais, mas demorou um pouco até eu me envolver de verdade. no começo era só uma tarefa que eu tinha que executar." explicou de início, a fim de contextualizar a história que estava por vir. "então teve um dia que eu estava caminhando bem no meio das árvores, ali no final da propriedade, perto do lago. uma cachorrinha apareceu. veio até mim, direto, sem medo. estava tão magra que dava pra ver cada osso, tão suja que eu tive dificuldade de saber qual cor era o pelo. tinha um machucado na perna que não parecia recente, mas estava longe de cicatrizar. eu pensei em levá-la comigo, dar comida, cuidar, como fazíamos com todos os animais ali. mas quando tentava pegar no colo, ela não deixava. e não era que ela não me deixava encostar nela! só não me deixava tirar ela do lugar, mesmo. se eu tentava, ela colocava todo o peso pra baixo. nem sei de onde ela tirava força pra isso. então eu entendi que ela não queria me acompanhar, queria que eu a acompanhasse. quando eu finalmente deixei ela me guiar, correu até um buraco cavado atrás de um tronco de árvore caída, uns metros adiante. no buraco tinha um filhotinho pequeno e quase tão magro quanto ela. quando eu peguei ele no colo, ela desmaiou, como se finalmente a força dela tivesse acabado." lembrava-se de achar que o animal havia falecido, na ocasião.
"levei os dois correndo até o veterinário da fazenda e ele disse que, pela situação que a cadelinha estava, toda a força e energia que ela teve pra salvar o filhote foi praticamente um milagre.” pausou, como se pudesse ver na sua frente a imagem da cachorrinha sarnenta e magricela. ergueu a mão como que em rendição. “culpe a maldição, se quiser, mas foi a primeira vez que eu…" pensou em como explicar, a testa franzindo enquanto ele achava as palavras. "bom, foi a primeira vez que eu realmente vi amor” ele podia nunca ter sentido nada parecido, mas era inegável o que havia presenciado. “ foi depois desse dia que eu passei a levar a fazenda a sério” acrescentou, um último comentário antes de perceber o peso da história que lhe escapara. “além disso, já viu como as mulheres me olham quando eu estou com um filhotinho na mão? é um afrodisíaco natural” certo, aquilo deveria equilibrar um pouco a situação, possivelmente. serviu a ambos um pouco mais do vinho. “mas então, há quanto tempo é vegetariana?” parecia uma pergunta segura e suficientemente impessoal, para variar.
𝒕𝒉𝒆 𝒂𝒄𝒕𝒊𝒗𝒊𝒔𝒕 ! neslihan gökçe , 29 , human rights lawyer . can you hear my heart beating like a hammer ?
66 posts