toda aquela troca animosa entre eles gerava em si sentimentos que não se orgulhava . christopher era capaz de desmantelar a estrutura milimetricamente composta da sua civilidade , e não da forma como camilo o fazia com provocações incessantes . a reposta que o loiro obtinha era visceral , instintiva , acre em sua raiz e degenerada em extensão . não era natural a forma com que um simples olhar alheio era capaz de gerar tamanho asco , não para si . o motivo , no entanto , era nítido em suas convicções , e acreditava que nem mesmo para salvar a própria alma seria capaz de enxergá-lo por outro viés que não a ótica turva e enrijecida . os ombros curvavam-se novamente a cada palavra que escapava no tom plácido , como uma cobra enrolando contra o próprio centro ao preparar-se para um bote . os demônios que habitavam uma parte crua e descontrolada de si , acordando do estupor que ela insistia em colocá-los . afundando as unhas na bancada pegajosa até que o eco de dor fosse suficiente para perfurar a nuvem viperina que ofuscava seu senso , replicou o riso vazio , cansada .
❝ eu afirmei que você é uma fraude , não uma fraude incompetente . ❞ o gesto de indiferença com o corpo era despreocupado , não traindo inquietação alguma . ❝ você não faz ideia do que a sua vitória custou . não a mim , eu sou capaz de lidar com minhas frustrações , mas aos que perderam para um homem vil , corrupto e com influência suficiente para comprar juízes e jures e sair impune de um crime que nós dois sabemos que ele cometeu . ❞ a insinuação de que o caso havia sido ganho às custas de subornos era intencional , não que ela realmente acreditasse nas palavras . atribuía a derrota , em parte , ao impecável trabalho paterno de encobrir todo , e qualquer , vestígio de evidências concretas o bastante para montar um caso sólido , e , em parte , às próprias emoções em relação ao homem , nocivas e cegantes . suficientes para fazê-la pensar que algo capaz de abalá-lo fosse tão simples . ❝ mas não espero algo diferente vindo de você . ❞ não se importava com o motivo para o outro seguir às cegas o comando do próprio pai , sabia que era impossível ele defender indivíduos como kadir şahverdi e permanecer inocente .
com a citação pedante de filósofos , a morena apenas meneou os fios de maneira cética , a expressão fleumática cedendo sob a pressão de um sorriso sardônico . ❝ tudo isso e , ainda assim , não é capaz de responder a um simples questionamento que poderia ter sido ilustrado por uma criança . ❞ circulando os dedos pela borda no copo , agora contendo apenas uma fina fatia de laranja , era uma tentativa de refrear as reações físicas ante o humor que o enchia ao analisar suas palavras . ele chegava a conclusões fundadas na forma que ele escolhia observá-la , uma análoga à sua em relação a ele , ainda que a sua tivesse sido construída com base em precedentes e não meras suposições regadas por pura arrogância masculina .
❝ cuidado , christopher , parece que você está projetando o que acha de si mesmo em mim . o que , francamente , é fascinante . ❞ a fala alheia , de maneira sinistra , ecoava quase verbatim o que ela pensava sobre ele . ❝ não , não uma deusa , embora o pensamento seja lisonjeiro . apenas alguém que reconhece o que há de errado nesse mundo , e , felizmente , faz o que está ao seu alcance para remediar o possível . ❞ o sorriso era quase sacarino , embora mesclasse com a peçonha em sua língua . ❝ oh , não . eu sei que sou cheia de falhas , e entre a maior delas está ceder meu tempo e intelecto a discussões com pessoas como você . ❞ neslihan não julgava-se perfeita , pelo contrário . encontrava mais erros em si do que em qualquer outro ser humano , e flagelava-se por tal , não que ele jamais pudesse cogitar a possibilidade . já sua natureza controladora advinha da aceitação de sua forma maculada e imperfeita , era a única maneira que encontrara de conseguir garantir que o passado não se repetisse e se entregasse aos caprichos de uma psique fragilizada . o riso que escapava por entre os dentes era quase inaudível ao fixar as íris às dele . ❝ realmente quer falar sobre a minha moral ser duvidosa , quando você está envolvido até a cabeça com corporações que sugam a alma da humanidade ? ❞
era impressionante a maneira como ele provava a cada segundo as contradições que o regiam . como ele era capaz de conviver com tamanha hipocrisia o conduzindo , era algo que ela analisaria com admiração , não fosse preocupante . ❝ como você parece ter a certeza de que me escondo de tudo e todos é surpreendente . ❞ apoiando o queixo contra a palma destra que se sustentava no balcão , solevou uma das sobrancelhas em escárnio ao encará-lo completamente . ❝ você verdadeiramente acha que sabe quem eu sou , não acha ? ❞ cruzando uma perna sobre a outra , continuou . ❝ quem realmente me conhece , também , pasme , sabe de cada detalhe sobre mim . assim como qualquer outra pessoa . ou a sua prepotência é tão grande ao ponto de achar que somente você possui verdadeiros amigos ? ❞ reproduziu o tom que inferia a ausência dele em seu círculo de proximidade , e ela agradecia aos cosmos por tamanha clemência .
verdadeiramente exaurida , as palavras trocadas , aliadas à negatividade que a todo custo tentava conter em cada uma de suas sentenças e gestos calculados , a esgotavam . e apesar da calmaria que se apossava de seus músculos , as veias zuniam em sua têmpora com o esforço de manter-se sob o véu da polidez social . se pudesse , as mãos já estariam envoltas no pescoço alheio , sentindo o pulso vigoroso se esvair com os segundos . o pensamento era elucidante da real deterioração do seu estado mental e ao percebê-lo depositando as notas no balcão , puxou a própria carteira da bolsa , descruzando as pernas . deixando os euros flutuarem brevemente até encontrarem a madeira , os ofereceu ao bartender com um sorriso suave e uma piscadela de agradecimento . levantando-se , recolheu as peças descartadas que compunham seu guarda roupa , antes de ousar um último visual do rizzo . ❝ não é troco , chama-se gorjeta , e é uma prática comum na sociedade . ❞ deu as costas antes que ele o pudesse fazer primeiro . tomando profundas respirações , exclamou sem olhá-lo antes de desaparecer do campo de visão masculino. ❝ saúde ! que você continue exatamente como é , será garantia suficiente de que morrerá sozinho . ❞
@khdpontos
A palavra fraude repetia em sua mente como um eco distante, fazendo com que um riso sem qualquer traço de humor escapasse por seus lábios. Mal sabia ela que outra carreira era tudo o que ele quis desde quando aprendeu a ler. No entanto, ela não estava errada sobre sua capacidade de ler as pessoas, Christopher era realmente bom em reconhecer comportamentos e em perceber detalhes que na grande maioria das vezes escapavam dos olhos da grande maioria. Sua capacidade de se colocar tanto na pele dos clientes que recebia como na pele daqueles que enfrentaria em um tribunal era justamente o que o tornava um advogado acima da média e também o que fazia ele ter ainda mais raiva da profissão que exercia. Ser um advogado exigia que ele fosse imparcial e ser imparcial, na grande maioria das vezes, exigia ir contra tudo o que ele acreditava. Neslihan não sabia, mas vencê-la no tribunal não havia trazido nenhum bem-estar pessoal para Christopher que sabia muito bem o tipo de pessoa que o pai dela era. No entanto, seu fracasso implicava em uma perturbação da tênue linha de paz entre ele e o pai, o que por sua vez poderia resultar em estresses para a mãe, e isso era algo que ele não arriscaria, mesmo que significasse ter de lidar com a miséria causada pela vitória depois. Talvez se ela o tivesse chamado de hipócrita, ele ficaria mais tentado a concordar com ela.
"Bom, se você acredita que eu sou uma fraude, talvez devesse olhar para si mesma, já que sabemos quem acabou levando a melhor no último embate." A máscara de tranquilidade mantinha-se intacta, enquanto ele a ouvia recitar vários de seus autores favoritos. "Miserável, imperfeito, assim é o mundo e o mais perfeito de seus fenômenos, o homem." Citou Schopenhauer, um dos autores que costumava ler em momentos não muito bons, mas que o pessimismo do mesmo em relação a humanidade muitas vezes ia de encontro ao próprio estado de espírito. "O ser humano é como uma folha em branco." Agora foi a vez de Locke, que o fez sorrir brevemente. "Todos os seres humanos são falhos, incompletos, mas ainda sim dotados de capacidade cognitiva para trilhar o próprio caminho, escrever sua própria história e com um senso do que é certo e errado que, por n motivos, pode não ser igual para todos. Por isso que podem haver conhecimentos similares, mas que foram adquiridos e interpretados de diferentes formas." Disse em um tom neutro, como se toda a irritação do momento houvesse desaparecido. " Você assume que eu nunca senti o amor porquê você não o sentiu, o que de certa forma não me surpreende, já que é mais do que nítido o tipo de sentimentos que possuem lugar na sua vida." Pela primeira vez, os olhos encontraram os dela, notando ali o mesmo tipo de incômodo que sentia. Quase sorriu de satisfação. "Enfim, tudo isso pra te dizer que eu não saber dar uma descrição exata não é advento da ausência do amor na minha vida, e sim porque existem tantas formas e maneiras de falar sobre ele, que se torna impossível colocar tudo em uma única resposta." No fundo ele sabia que sua resposta havia sido um tanto quanto vaga, mas acreditava o suficiente no que havia dito para soar completamente convincente.
A risada que seguiu após a fala dela, dessa vez, foi mais alta e carregada de um divertimento genuíno. "Fala sério, você consegue se ouvir?" Perguntou, sua expressão claramente incrédula. "Pra alguém que se diz tão cheia de virtudes e boas intenções, bastou um instante para se provar a pessoa hipócrita e arrogante que você realmente é." Tornou a dar risada. "Moralmente inferiores a mim. " Christopher repetiu a fala dela entre risos. "E quem diabos você é pra se julgar superior a alguém? Uma deusa? Uma inteligência artificial? Você é tão cheia de falhas como qualquer pessoa, só que se enfia em um mundo onde finge não existem porque no fim das contas você é tão controladora que só de pensar em perder um pouco do controle sobre essa máscara de perfeição que veste com tanto orgulho já é mais do que suficiente para te deixar desesperada." Ele balançou a cabeça para os lados levemente. "Sua moral é tão duvidosa quanto a de qualquer outro ser humano, só difere o fato de que você não é capaz de aceitar isso."
Um riso soprado saiu por seus lábios e a mão tornou a circular o copo que mais uma vez foi de encontro aos lábios e só voltou para a mesa após ele sorver todo seu conteúdo. Achava cômico que ela tentasse atingi-lo o chamando de monstro, afinal, ele mesmo pensava coisas bem piores sobre si mesmo. Christopher gostava de se definir como uma pessoa consiente, que sabia suas qualidades e defeitos e lutava constantemente contras as partes ruins afim de atingir um amadurecimento pessoal. No entanto, as vezes era difícil se ater ao processo de melhora, especialmente quando já não sentia nem um respingo de paciência em si. "Diferentemente de você, eu não escondo quem eu sou de verdade, ao menos, as pessoas que realmente - a ênfase na palavra deixava claro que ela não participava desse grupo de pessoas - me conhecem, sabem tudo ao meu respeito." Ergueu levemente os ombros, como se a fala dela não o tivesse afetado em nada, mas na verdade sentia como se seu sangue estivesse borbulhando.
"E que ela te traga um pingo de humildade, pra ver se talvez um pouco dessa amargura desapareça." Respondeu de forma sarcástica enquanto negava que o atendendente colocasse mais uma dose. Sem perguntar o quanto havia gastado, colocou a mão do bolso de puxou algumas notas que carregava consigo. O valor posto sobre a mesa provavelmente cobria a conta dele, dela e de mais umas três pessoas sobre a bancada. "Pode ficar com o troco. Mais do que merecido por ter que suportar um certo tipo de clientela." Claro que não se referia apenas a Neslihan, mas não se alongaria. Em seguida, se preparava para deixar o local antes que a conversa entre os dois desse seguimento.