"Gosto de me preocupar com as pessoas de vez em quando." Mesmo que não fosse uma pessoa muito gentil, o poder dela fazia com que sentisse coisas que, muitas vezes, sequer eram suas. Muitas vezes, mesmo que inconscientemente, sentia a ponte se formar e podia perceber a natureza dos sentimentos alheios. Aquilo fazia com que a empatia dela fosse aguçada, independente das intenções que tivesse e que motivasse suas ações diárias. É claro que, ao mesmo tempo que dava uma dose de empatia, também oferecia uma dose de indiferença. De certa forma, todas as pessoas sempre estavam passando pelos próprios problemas. A vida de semideuses era formado por uma eterna angústia e incerteza do futuro. Ninguém sabia ao certo se viveriam, se morreriam, se, de alguma forma, poderia achar a paz que tanto almejavam. Estavam destinados a guerrear por objetivos e sonhos que sequer eram os que cultivavam. Continuou trabalhando na mão alheia, em silêncio, até que terminou de enrolá-la em uma bandagem. Voltou os olhos ao dele, um sorriso nos lábios dela, presente de uma forma quase tímida. "Pronto, mas recomendo que visite a enfermaria. Acho que vão precisar dar uma segunda olhada." Mesmo que soubesse lidar com ferimentos, ainda sim não era perita naquilo. Como instrutora, sabia aplicar os primeiros socorros, mas geralmente limitava-se aquilo.
Sabia que não deveria preocupar-se com o outro, ainda mais de maneira tão intrusiva, mas, por dentro, perguntava-se o que o outro tinha visto que tinha causado uma reação tão aversa. "O que você viu?" Anastasia era conhecida pelas intromissões e perguntar o que muitos não queriam responder. A filha de Afrodite, no entanto, talvez precisasse falar sobre aquilo com alguém. Tinha tanto preso no peito dela naquele momento que temia virar, em breve, uma bomba-relógio. Era questão de tempo até explodir novamente com alguém que não merecia. "Eu vi as pessoas morrendo por minha culpa, porque acredito que sou tão boa que jamais precisarei de ajuda de outras pessoas." Acreditou que parecia correto abrir-se daquela forma com o outro. Ainda sim, não parecia o suficiente para que causasse uma reação muito grande de si mesma. O que a assustava sequer era apenas a morte dos outros, mas sim, novamente, ter sido colocado como causadora daquele sofrimento. Os olhos fecharam-se por um segundo. Por mais que tentasse não pensar naquilo, a cena parecia repetir-se de novo e de novo em sua cabeça.
AQUELES QUE NOS CRIAM - decidem exatamente o quão forte vamos ser . o quanto podemos aceitar, sem nunca quebrar. talvez envergando, mas se mantendo em um pedaço. para arthur, a rigidez da mãe e a bondade do pai tinham sido dois grandes opostos que o prepararam para quase tudo na vida. de camile aprendeu, que mesmo casas de vidro podem ser reconstruídas para aguentar ainda mais pedras. enquanto alistair o ensinou que jamais devia se prender a uma ilusão de grandeza, empatia - era o que realmente lhe dava poder. verdadeiramente, lá estava ele - amando & sofrendo , em medidas quase iguais , se embebedando do mundo como ele era e seguindo em frente ; cabeça erguida, mãos em punhos, sempre pronto para uma nova luta.
acreditava que se tivesse sido criado por outras pessoas, não iria sobreviver - esse descaso divino , esse desamor, falando de : ' nós vivemos para sempre, e quanto a vocês ? ' , pois era vil & amargo, o quão pouco importavam. ' foda-se ares ', sempre dizia - pois seu pai, era o homem que tinha lhe dado a capacidade de resistir, todos os dias, ao estrago que aquela herança imortal causava em inocentes. inocentes como ela, inocentes como ele. inocentes como as crianças que passavam tanto tempo sem saber - se pertenciam a algum lugar no mundo. quando encontravam - era apenas algumas árvores, e muita dor . muita, muita dor.
deixou que ela continuasse a enfaixar sua mão, mesmo que ainda pudesse sentir , quente & viscoso, o sangue da matriarca nelas. o fazia estremecer de leve, toda vez que pensava nas sirenes e na mesa estilhaçada, seu corpo sem vida no colo - tudo tão real no momento.
❛ como pode dizer isso ? ❜ inquiriu com o cenho franzido, genuína surpresa cruzando suas feições. ❛ claro que me preocupo com você. ❜ procurou os olhos da outra, mas ela parecia vidrada na tarefa. ❛ você está se preocupando comigo, não ? ❜ mesmo que fosse uma forma de distração da desgraça pendente, da ilusão que deixou todos de uma forma ou de outra, desestabilizados, ele ainda era grato. como não poderia ser ? vir até ela, tinha sido também, uma forma de esquecer dos problemas em mãos. muito literalmente.
❛ vai dar tudo certo ? ❜ quis rir, mas permaneceu com o semblante impassível. talvez ela tivesse que acreditar naquilo ; talvez nas ruínas dela, não havia espaço para desespero . sim, algo se partiu - algo quebrou ; talvez para anastasia não houvesse nada a fazer além de pegar os pedaços e começar a colocá-los no lugar. ❛ sim, vai tudo ficar bem, eu suponho. ❜ suspirou, derrotado. arthur, precisava de algum tempo entre os destroços, precisava lembrar - como suas fundações tinham sido construídas, antes de poder mudar tudo sobre elas.
Talvez fosse o cansaço ou talvez fosse o fato que estava chorando aos prantos até alguns minutos atrás, mas, assim que saiu do transe, foi como se tivesse entrado em modo automático. Passou verificando quem precisava de ajuda e como poderia ajudar, sem pensar muito sobre si mesma. A queimadura das lágrimas nos cantos dos olhos ainda eram visíveis, mas não permitiria que parasse e começasse a pensar sobre o que tinha acontecido. "Não lembro de ter perguntado o que você merece ou não. Agora fique quieto e me deixe continuar o trabalho." Mesmo que a tentativa fosse parecer ser bem-humorada, soube que o tom era mais ríspido, o que culpava o quanto precisava pegar os próprios pedaços de si que tinha deixado no caminho até ali. Seria necessário, no entanto, mais tempo do que tinha naquele momento, então poderia ser útil ou poderia ser chorona. Estava tão cansada de chorar. Não queria ser aquela pessoa novamente. A decisão, então, era afogar cada sentimento até que não houvesse mais com o que se preocupar.
"Eu estou bem. Não se preocupe comigo agora." A mentira saía facilmente dos lábios de Anastasia, que tinha aprimorado a habilidade de disfarçar os próprios sentimentos ao longo dos anos. A mente, no entanto, recebia uma chuva torrencial de pensamentos, ideias e pesadelos, devastando completamente o que estava fazendo e como estava agindo até o momento. Mesmo que tivesse a habilidade de colocar um sorriso nos lábios em momentos difíceis e quando a cabeça estava tudo exceto lúcida, as mãos tremiam levemente quando colocava as bandagens, enrolando-as firmes o suficiente para que permitisse que o ferimento fechasse corretamente. "Vai dar tudo certo." Outra mentira, mas aquela era mais para si mesma do que para o semideus. Precisava acreditar naquilo, se não acabaria desmoronando. Aquele lugar era o único lar que teve em muito tempo. Quando o pai tinha morrido, tentou verdadeiramente voltar ao mundo dos humanos, mas parecia errado e tão assustador que não teve mais vontade de sair do Acampamento Meio-Sangue mais. De alguma forma, aos poucos tudo que tinha sonhado estava sendo destruído (e nem estava se referindo à estrutura).
QUÃO ADORÁVEL - ser algo que o universo quer matar. em todas as chances, em todos os tempos, sem qualquer aviso ; algo viria para tentar acabar consigo & as vezes, o que arthur queria fazer era ceder. abrir ele mesmo o espaço da caixa torácica onde se escondia o coração & dizer : ' vamos, peguem um pedaço e me deixem para morrer ' , talvez existisse paz na morte pois na vida só há reconstrução, e em reconstrução só há violência.
❛ foi só uma queda, não precisa fazer isso, de verdade. ❜ murmurou enquanto a outra limpava os cortes nos nós dos dedos. ❛ eu 'tô bem, annya. ❜ a verdade era clara : não estava . apesar da face estóica e do comportamento irredutível , tinha tido pouco tempo para processar aquela ilusão & quando finalmente teve tempo, depois de assegurar que todos estavam salvos - ou ao menos , que tinham sobrevivido aquilo - , o filho de ares se pegou sozinho com seus pensamentos , o levando a quase quebrar a mão na parede do banheiro enquanto a água fria caia sobre seu corpo. ❛ eu não mereço tudo isso. ❜ disse calmamente, tentando fitar o trabalho com as bandagens e não a garota ao seu lado.
ela tinha sido a primeira em que pensou quando viu o estrago que tinha deixado , e podia esperar , fazer um trabalho sujo de se remendar ele mesmo, mas em toda a honestidade - não queria estar sozinho & esperava que ela não quisesse também. ❛ como você 'tá? depois de .. ❜ procurou uma palavra adequada - não achou nenhuma, terminou em um sussuro : ❛ tudo. ❜
@ncstya