Matteo arqueou uma sobrancelha. Se aquele era o caso, se ela não se lembrava que ele existia, por que ela parecia se importar tanto com ele e sua opinião? Ou por que sequer estavam tendo aquela conversa? Ele sentia que o ponto de tudo havia passado por cima da sua cabeça e agora ele estava tentando montar um quebra-cabeça que as pessoas não se encaixavam. Matteo era do tipo que tinha uma quantidade muito limitada de atenção para dar, e agora ele só sentia que estava perdendo atenção desnecessariamente naquela conversa. "Eu não falei que você está forçando isso, falei?" Perguntou, falhando para ver onde ele tinha dito isso. Talvez Matteo fosse muito literal e não conseguisse fazer conclusões que não fossem muito óbvias, e talvez fosse isso que ela estivesse fazendo ─ tirando conclusões. Porém, as conclusões eram baseadas nas experiências de vida de cada um e, Matteo e Helena eram muito diferentes. Não esperava que eles teriam o mesmo ponto de vista. "O ponto todo de você acreditar nisso é que você está... tentando demais," Matteo se sentia sufocado. Será que ela não conseguia ver isso? Ele não era a pessoa que sentava e falava sobre milhões de assuntos por segundo, ou que abria seus sentimentos para qualquer pessoa. Tinham coisas que nem escrevia em seus diários. "E talvez você tenha razão, e ninguém seja inacessível, mas não necessariamente todo mundo tem o privilégio de acessar todo mundo, sabe?" A maioria das pessoas não conseguia ver quem era o Matteo de verdade ─ era assim que ele gostava, era assim que ele se sentia confortável. "E como você sabe disso? Nenhum de nós amou alguém." Havia escutado com atenção, mas não aguentou e comentou. Afinal, para ele não tinha uma maneira certa e uma errada, mas existia milhões de possibilidades de como eles poderiam se sentir ─ nenhum sentimento era realmente igual ao outr. "Você pode ler milhões de histórias de amor, e elas vão ser diferentes." Deu de ombros, pedindo um espresso. Ainda não tinha fome. "A forma em como você tentou me conhecer me deixa... me deixa encurralado. Eu não gosto de me sentir forçado. E foi assim que eu me senti." Ela não queria a verdade? Era essa a realidade. Para Matteo, talvez Helena fosse demais. Ou talvez eles apenas tivessem começado tudo com o pé errado. "Não tem pelo que você pedir desculpas," assim como ele não achava que precisava pedir desculpas. Eles apenas estavam sendo quem eles eram e ele preferia aquilo do quer ser forçado a ser legal. E, bem, se ela tivesse problema com isso, não tinha muito mais que ele poderia fazer.
FLASHBACK
Helena inclinou a cabeça, observando Matteo enquanto ele falava. Primeiro, ela arqueou uma sobrancelha. Depois, ela deixou escapar uma risada baixa, sem humor sair dos lábios incredula. "Devo me sentir honrada ou ofendida?" O olhar dela deslizou pelo rosto dele, avaliando. Matteo falava como se não tivesse um pingo de interesse, como se realmente não se importasse. Mas Helena já havia lidado com esse tipo de defesa antes. Afinal, ela mesma já tinha usado. “Bem, não posso dizer que não te entendo.” Sua voz saiu calma, sem qualquer traço de irritação. “Não somos próximos, nem nada, mas… sei lá.” Ela tentou encontrar as palavras certas. Não era uma garotinha implorando por atenção, mas também não era ingênua. Sabia que a chance de tê-lo ao seu lado, caso ambos escolhessem, existia.
Ela suspirou, apoiando o queixo na mão enquanto um sorriso discreto brincava em seus lábios. “Matteo, eu sou atriz. Vivo cercada por homens que acham que são a coisa mais inacessível do mundo. Sabe qual é a parte engraçada?” Seus olhos brilharam com uma pitada de provocação, mas ao mesmo tempo com uma sinceridade rara nos dias atuais. “Ninguém é completamente inacessível.” Ela se recostou na cadeira, cruzando as pernas com a elegância automática de alguém que passou anos sendo treinada para brilhar sob os holofotes. “Mas relaxa,” continuou, como se estivesse apenas comentando sobre o tempo. “Você realmente acha que eu estou tentando forçar alguma narrativa de alma gêmea? Eu mal te conheço. Honestamente? Até antes de tudo acontecer eu nem lembrava de você.” Seu tom não era cruel, apenas factual. Ela deu um leve dar de ombros antes de soltar um suspiro suave. “O amor não é mágico como nos filmes. Ele não acontece em um instante perfeito, com trilha sonora ao fundo.” Seus dedos deslizaram distraidamente pelo cardápio sobre a mesa. “O amor é uma construção. Uma escolha diária. Porque, no fim, se você não escolhe todo dia ficar com alguém, como diabos vai conseguir aturar essa pessoa? Eu quero poder escolher amar minha alma gêmea. Quero olhar para a pessoa e sentir orgulho, carinho, desejo de estar junto, de voltar de viagem e...” ela novamente suspirou desviando o olhar para o cardápio, ver o amor acontecer era lindo, mas nunca senti-lo? Isso a agoniava "Só queria poder te conhecer por trás de tudo isso que você criou... Mas entendo seu ponto. Desculpe por qualquer coisa"
O fato de que havia aceitado um encontro deveria ter sido um motivo de fofoca, mesmo que a pessoa com quem ele havia aceitado o encontro fosse Helena Sorrentino. Matteo normalmente dava motivos para as pessoas fofocarem exatamente pelo número de encontros que ele não aceitava e o fato de que apenas a estrela de cinema havia sido suficiente para fazer com que ele mudasse de ideia certamente iria aumentar o conto de que ele achava que ninguém era bom o suficiente para ele. Ninguém podia ver as engrenagens da sua cabeça trabalhando arduamente para fazer sentido de toda aquela história.
E pouco fazia sentido.
Talvez se fosse mais sociável já teria tido as respostas que gostaria e poderia sair dali vitorioso, mas, no momento, ele arranhava o tampo da mesa distraidamente com uma das unhas para manter-lhe presente no encontro enquanto evitava ir muito a fundo na sua psique. Era claro que o encontro era desconfortável para ele, sempre numa posição de defesa, mas parecia inocente suficiente pelo olhar externo. A música, as pessoas, as péssimas vozes massacrando a música escolhida no karaokê... Não havia nada naquela situação que o fizesse mais confortável e sabia que não deixava as coisas mais fáceis para Helena. Mas uma das coisas que havia aprendido era a determinação de levar as coisas até o fim. E, assim, ele veria aquele encontro com Helena até o fim, por mais desastroso que acabasse sendo. As palavras dela lhe atingiram como um caminhão, já que ele nunca havia imaginado uma vida fora de Khadel e, agora, simplesmente ele era forçado a imaginar as coisas mais frutíferas e longínquas em um curto espaço de tempo. Matteo não sabia se estava disposto a vida que Helena poderia lhe dar, assim como ela bem decididamente não estava propensa a vida que ele tinha em mente. Ele poderia ganhar muito, mas tinha que estar aberto também a abrir mão de muito.
Ele franziu as sobrancelhas com leve confusão. Matteo não precisava que ela apontasse que a fama que cada um deles possuia era diferente. Mas a fama que ele possuía não era algo que ele desejou ou buscou. Um acidente do destino. Não podia necessariamente reclamar, afinal, era responsável por ele ter uma vida financeira mais estável que sua mãe jamais teve, porém sempre revirava os olhos com a atenção que recebia. E, particularmente em Khadel, Matteo recebia bastante atenção. Ele sempre quis ser incluído, ser tratado como um deles, mas mesmo com tudo que havia feito para se encaixar, não poderia se sentir mais deslocado. Tentou desviar do assunto inicial ─ gostava de música, definitivamente não iria cantar ─ e aproveitou o toque sutil dela para entrar no assunto que eles realmente deviam dar atenção. Tudo poderia mudar dependendo do que ela acreditasse. Se Helena realmente acreditasse na maldição, ela estava buscando encontros românticos e ele seria uma péssima escolha, ainda mais no Loft. Deveria ter chamado o Christoper! "Então você acredita que existe uma maldição?" Matteo levantou uma sobrancelha com a pergunta. Ainda estava descrente em relação ao status da maldição, mas estava definitivamente curioso com os acontecimentos recentes, e era aonda mais buscava respostas dos supostos encarnados.
As musicas de fundo e a movimentação das pessoas no local eram uma distração bem vinda para os mil pensamentos que passavam na cabeça de Helena. Já tinha falado com seus fãs e, com o pedido para que pudessem deixá-la aproveitar a noite como eles, ninguém realmente parecia notar o quão estranho era a relação do casal. A risada, porém, saiu dos lábios da negra que negou com a cabeça rapidamente para aquela pergunta "Eu posso estar gostando dessa calma, mas certeza que eu surto se ficar mais do que algumas semanas nesse lugar." respondeu leve encostando o corpo na cadeira brincando com o canudo da bebida despretensiosamente. Sua mente vagava em alguma forma de quebrar o gelo sem ficar parecendo uma esnobe ou uma idiota. Normalmente as pessoas vinham super animadas e interessadas em conversar consigo, então o jeito mais retraído do homem a deixava desconcertada. Só que tinha se proposto fazer dar certo "Sem querer desvalorizar seu trabalho, mas essa fama de Instagram é bem diferente do que eu vivo. Isso aqui..." ela fez um sinal para o bar inteiro como se pudesse sinalizar a situação que estavam "Não aconteceria onde moro. Estar entre os civis sem uma câmera apontada para mim, sem o furor dos fãs... Ou pelo menos não sem pagar o dono do restaurante." ela deu um suspiro saudoso, mas acabou por dar uma risada discreta negando com a cabeça. Amava aquela vida. Não lhe custava atender o publico, tirar fotos, gravar textos... Na verdade ela amava como valorizavam seu trabalho, então gostava ainda mais quando os olhos voltavam para si. Ela até ia oferecer o gostinho de sua vida, talvez um story no instagram, na esperança de abrir um pouco mais aquelas barreiras, mas achou que seria pretencioso demais querer comprar alguém assim na cara dura "Gosta de musica? Digo, estamos num karaokê... Seria um belo fora se tivessem te botado aqui contra vontade. Não sei os critérios que estão usando para decidirem quais são os melhores lugares... Mas temos que convir que não tamo sabendo é de nada com esse lance da quebra da maldição..."
Para Matteo, nunca havia sido fácil expressar seus sentimentos. Desde pequeno, lhe faltavam palavras; vocabulários extensos que permitiam que os mais intricados sentimentos pudessem ser externalizados. Quando era mais novo, a falta de habilidade com as palavras se transformavam em birra, mas a medida que cresceu, aquilo não podia mais acontecer. Ele já era estranho demais sem que os olhos ficassem molhados cada vez que sentisse raiva ou frustração. Além disso, era mais um motivo para as crianças pegarem no seu pé. Então, não importava o quão ruim fosse reprimir as emoções, era isso que Matteo precisava fazer. E, com o passar do tempo, ia sentindo cada vez menos, se desassociando dos seus próprios sentimentos, como um espectador, assistindo um personagem dissimulado se mover pela sua vida. Ele deu um sorriso e um suspiro. Olivia não sabia, obviamente que aquele personagem da rede social não era exatamente Matteo. Era quem ela havia conhecido. Ele não achava que toda a conexão que tiveram era falsa. Noites adrento conversando, mesmo que entre planos para as redes sociais de ambos, não haviam exatamente mentido um para o outro. E ele sabia que havia tido uma conexão maior que apenas a física. As palavras de Liv eram muito bem escolhidas, eram coisas que ele gostaria de escutar, mas talvez ele preferisse que ela se irritasse, gritasse. Qualquer coisa provavelmente era melhor que aquela empatia e compreensão, como eles não tivessem feito milhares de escolhas erradas, por começar da forma como terminaram, para então se evitarem por anos, mesmo morando na mesma cidade.
"Não.” A resposta monossilábica era tão característico da sua pessoa, mas para aquela conversa não iria funcionar. “Não, mas você assume que tudo o que a gente quer é o que deve ser feito." Não podia falar se aquele era um problema daquela conversa ou de Olivia em geral, mas as coisas não eram tão simples quanto querer. Adultos não podiam fazer simplesmente só o que queria. Apesar da infância difícil, Matteo ainda via Liv como uma das crianças ricas que sempre teve o que queria e, talvez, assim, não soubesse levar um não. Ele olhou para as mãos enlaçadas. O sentimento definitivamente não era ruim ou estranho, mesmo que ainda tivesse a sensação que estava assistindo as coisas acontecerem de fora do seu corpo. Era natural, talvez até demais, como as mãos deles ainda se encaixavam ou como o apelido não soava estranho na voz dela. Ele manteve os olhos baixos, encarando o ponto onde as mãos se encontravam e ele podia sentir o calor emanando de Olivia. "Você quer uma conversa sincera, mas você está andando em círculos, Liv,” Matteo apontou. Não num tom julgador, mas queria que fossem direto ao ponto ao invés de ficarem circulando o fato dele estar desconfortável como urubus ao redor dos cadáveres. "Já está estabelecido que existem milhares de lugares que eu preferiria estar do que aqui. Não por sua causa, mas nada nessa situação é onde eu gostaria de estar, então…” Falou com um tom definitivo, colocando um ponto final, ao menos naquela parte da conversa. Matteo não gostava e não se sentia confortável, isso não negava o fato de que ele sabia que aquela conversa era inevitável e importante, ele reconhecia isso. Ao invés de ficarem dançando ao redor disso, se fossem talvez direto aos acontecimentos, ele pudesse finalmente respirar em paz. “Eu não deveria ter respondido com um emoji, e eu não deveria ter simplesmente aceitado o término daquela forma.”
Olivia piscou, surpresa. Matteo raramente falava tanto, ainda mais daquele jeito, tão direto, tão... afiado. Por um instante, ela ficou em silêncio, absorvendo cada palavra, cada entonação, cada resquício de frustração reprimida. Ele sempre fora contido, sempre manteve uma barreira entre ele e o mundo, mas ali, agora, ele estava deixando que ela visse o que havia por trás. E, por mais que a princípio aquilo a pegasse desprevenida, não a assustava de verdade. Um sorrisinho surgiu no canto dos lábios de Olivia, esperando que ele colocasse para fora todas as palavras pesadas que refletiam seus sentimentos, para que pudesse falar. — Sim, é isso que eu queria ouvir. — Seu olhar encontrou o dele, e dessa vez não havia provocação, apenas uma franqueza que talvez fosse mais perigosa do que qualquer jogo que pudesse jogar. — Não exatamente que você está desconfortável, sinto muito por isso, mas queria te ouvir sendo sincero. Você raramente fala o que sente, e eu sempre apreciei as vezes em que fez. — Ela inclinou a cabeça levemente para o lado, estudando o rosto dele por alguns segundos, como se tentasse decifrar algo, antes de continuar. — Eu nunca precisei que você fingisse gostar das coisas por minha causa. Você nunca precisou se dobrar para me agradar. — Era verdade. O fato de ele ser bonito, atlético e iniciando a vida de celebridade virtual foi o suficiente para que ela visse potencial nos dois, mesmo que isso significasse que não teria atrás de si um homem obcecado por ela - algo que Olivia apreciava bastante. No entanto, foi preciso mais do que isso para que ela se mantivesse interessada, e, de alguma forma, ele havia conseguido.
— Não espero um pedido de desculpas, espero termos uma conversa franca. Mesmo que isso signifique que você vai apenas escutar e concordar com a cabeça. — Mas ela esperava que ele dissesse algo, qualquer coisa, mesmo que fossem aquelas palavras duras desde que fossem seus sentimentos reais. — Não me importo de você não ser um dos meus admiradores. Você me desafia, e eu até gosto disso. — Olivia sorriu de leve, sem ironia, sem malícia, apenas sorriu. Ela respirou fundo, e então, suavemente, deslizou sua mão pela mesa até tocar a dele, com cautela. Seus dedos encontraram os dele com uma leveza quase hesitante, mas ao mesmo tempo firme. Não era um pedido de desculpas nem uma tentativa de suavizar a tensão com um gesto romântico. Era apenas um lembrete de algo que Matteo parecia ter esquecido: o quanto os dois se combinavam, mesmo tão diferentes. — Eu sempre soube lidar com o seu desconforto, mio bello. — Usou o apelido da época em que eram namorados. Sua voz veio baixa, sem o desafio de antes, mas com uma clareza que não deixava espaço para dúvidas, e o olhar tão intenso encarando os dele que era possível ver com nitidez sua intenção de apenas... conversar. — Você acha que eu não sei que você odeia estar aqui? Que não percebo quando está desconfortável? Eu sempre percebi. Sempre. — Apertou um pouco mais a mão que segurava, como se o convidasse a sentir a sua honestidade. — Eu não quero que vá embora, Matteo. A questão é... você quer ficar? — Ele mesmo havia concordado que precisavam conversar, e havia tanto que ela gostaria de ouvir e dizer.
Foram sete anos. Matteo gostaria de pensar que ele não era a mesma pessoa que sete anos atrás, mas a sua mente ultra focada em um único objetivo poderia ter deixado ele tão alheio em outros assuntos, e assim não tendo evoluído tanto quanto imaginava ou gostaria. Não podia julgar todos que o consideravam um grande obtuso, porque se fosse honesto consigo mesmo, parecia que a única coisa aonde ele realmente fazia um progresso tangível era no tamanho do seu bíceps. Mas faria alguma diferença? Se desse abertura ou não as pessoas ao seu redor, tudo acabaria da mesma forma. Exatamente daquela forma em que se encontravam, reconectando após anos de um momento decisivo. Ao menos, como lidava com tudo aquilo lhe poupava da vergonha que estava sentindo naquele momento. Não parecia ter sido a intenção, mas não sentiu que a alfinetada havia sido menos mordaz pela falta de intenção. Às vezes as palavras poderia doer mesmo quando bem intencionadas, ainda mais quando eram verdadeiras. Afastar Olivia havia sido uma intenção deliberada, mas ao mesmo tempo um reflexo automático do sentimento de repulsa interno. Como ela, ele também não soube lidar com aquilo. Ousaria dizer que se sentisse aquilo naquele momento, continuaria sem saber lidar. Talvez não se escondesse, mas talvez sua resposta seria tão rudimentar quanto dava para todas as outras pessoas. Talvez se ele conseguisse tratá-la como qualquer outra pessoa seu desconforto seria apaziguado, afinal, Matteo não se importava com os outros. Mas se importava com Liv. "É..." Concordou, levando uma mão para trás da nuca num gesto de desconforto. Aquela conversa era certamente mais esmagadora que todos os cem kilos que podia levantar em um agachamento. As palavras que estavam engasgadas em sua garganta teimavam em não sair. Nunca havia sido bom com as palavras. "Eu também deveria ter ido conversar com você," Matteo não conseguia perceber se o som meio entrecortado era apenas um figmento da sua imaginação, que não conseguia consciliar com as palavras que saiam da sua boca ou se realmente soava esganiçado porque não acreditava que estava falando aquilo. Ou ainda pior, não conseguia falar aquelas palavras com facilidade. Nunca foi o seu forte. "Você acredita naquilo?" Matteo perguntou incisivamente, mesmo que deixasse o significado pairar entre eles. Falar exatamente sobre o que se referia talvez deixasse as coisas reais demais. Porém, deveria ser esse o motivo para que ela depois de tanto tempo voltasse a sua atmosfera, não era? Olivia e Matteo eram quase como água e óleo, mesmo que o feed curado do instagram pudesse fazê-los parecer almas gêmeas e as aparências físicas fosse significantes, eles eram muito diferentes. Ela era aberta e espontânea, poderia até ser uma fachada, mas Liv gostava da atenção. Enquanto para Matteo, a atenção era quase um fardo. Ele tinha que manter o interesse alheio para o seu próprio bem financeiro, mas como os outros testavam sua paciência. Mesmo com as suas respostas ríspidas ele não conseguia paz. Apesar de opostos, isso não queria dizer que não pudessem... ser algo. O que quer que aquele algo fosse. Ou foram. Ainda não sabia bem definir. Tudo havia sido infinitamente mais fácil quando eram um acordo de benefício mútuo.
Observou o gesto de Matteo – sempre no controle, sempre metódico. Mas agora, a Olivia que se encontrava diante dele não era mais a mesma, e ela sentia uma estranha mistura de nostalgia e frustração ao encará-lo. Ele continuava com a sua aparência imutável, mas havia algo nos seus olhos que ela reconhecia: o desconforto, a sensação de que ele estava tentando se esconder de alguma coisa, ou de alguém – neste caso, dela. Ela se forçou a desviar o olhar por um instante. Precisava encontrar palavras, mas elas estavam presas em sua garganta. O simples “é bom vê-la novamente” a atingiu de forma inesperada. Aquilo parecia tão... vazio. Por um momento, Olivia quase quis revidar. Dizer algo frio, como fazia com os outros, mas uma parte dela queria que fosse diferente agora. E ela pensou se ele estava esperando por isso. Olhou para ele novamente, com mais intensidade, buscando alguma resposta nas expressões contidas dele. “Então...?” Ele tentava puxar a conversa, mas parecia distante, desconectado, e isso a incomodava. Ela respirou fundo. “ Eu sei que não fui fácil de lidar. ” disse ela, as palavras saindo mais suaves do que imaginara, a voz baixa torcendo para que apenas ele pudesse ouvi-la. “ Aquela coisa toda, a mensagem fria e impessoal, o término... Eu deveria ter sido mais honesta com você. ” Não que ele tenha sido, também, ela pensou. Sentiu o peso das palavras, como se um peso tivesse sido tirado de seu peito. “ Acho que ambos fomos imaturos naquela época. Fui impulsiva, não pensei nas consequências, e você... foi distante, como sempre. ” Olivia baixou os olhos por um momento, observando os próprios dedos se entrelaçarem entre si. Um ato de nervosismo que não era comum vê-la reproduzindo, sempre tão autêntica e confiante. Não queria que sua vulnerabilidade transparecesse demais, então ergueu o rosto novamente. “ Eu sei que não foi certo, mas acredite, naquela época, eu não sabia o que fazer. Não sabia como lidar com tudo o que estava acontecendo dentro de mim. ” Ainda soava enigmática, incerta se deveria se abrir tanto com ele, ali em público, na primeira conversa, sem sequer saber se ele sentia o mesmo arrependimento por suas ações. Dessa vez, o seu olhar era firme, como a Olivia cheia de si que todos conheciam. “ Eu só queria que você soubesse que... eu lamento. Lamento como terminei tudo, lamento como agi. Eu não deveria ter feito aquilo, nem daquela forma. ” Havia uma sinceridade em suas palavras, um lado dela que não costumava deixar transparecer. E, céus, como ela torcia para que ele dissesse algo semelhante. Que também se arrependia de como respondeu àquela mensagem, que concordava que o término foi abrupto e, quem sabe, os dois não merecessem uma segunda chance.
A rotina matinal dele é sagrada. Acorda sempre no mesmo horário, independentemente do dia. Antes de qualquer coisa, bebe um copo d’água gelada e faz alongamentos. Se alguém interrompe esse ritual, ele passa o dia inteiro se sentindo esquisito.
Não suporta bagunça, mas vive perdendo as coisas. Seu apartamento é impecável, mas seu senso de organização é caótico. Óculos de sol, chaves e carteira somem constantemente, e ele já ficou paranoico achando que estava sendo roubado, quando na verdade tinha colocado tudo na geladeira sem perceber.
Adora frutas, mas detesta cortá-las. Bananas são sua escolha porque não precisa de faca, e maçãs são comidas inteiras, sem fatiar.
Tem um diário digital que nunca leu duas vezes. Escreve notas sobre seus pensamentos no celular, mas nunca tem coragem de reler, com medo de encarar seus sentimentos.
Odeia quando falham com ele, mas vive cancelando planos. Tem uma necessidade profunda de estabilidade emocional, mas ironicamente, quando sente que algo está ficando sério demais, é ele quem desaparece.
Evita restaurantes chiques. Prefere lugares pequenos e discretos. Tem um café favorito onde ninguém o reconhece e sempre pede o mesmo café preto forte.
Anda sempre de fones de ouvido mesmo sem música tocando, só para evitar conversas aleatórias.
Odeia a ideia de envelhecer. Cada novo fio de cabelo branco é arrancado no mesmo instante em que ele percebe.
Gosta de jogos de tabuleiro, mas joga para ganhar. Monopoly já destruiu amizades suas.
Tem medo de pequenos espaços. Elevadores o deixam desconfortável, e ele prefere sempre escadas, alegando que é para se exercitar.
Detesta ser surpreendido com abraços. Não sabe reagir e fica tenso, mas se alguém que ele confia o abraça devagar, ele relaxa e, às vezes, até fecha os olhos, aproveitando o momento.
A primeira vez que viu uma foto dele viralizar, sentiu pavor. Achou que iam zoá-lo como na escola, e demorou para entender que era admiração e desejo.
Escuta podcasts de autoajuda e motivação, mas nunca admite para ninguém.
Sempre responde mensagens mentalmente, mas esquece de responder de verdade, o que faz parecer que ele ignora as pessoas.
Gosta de perfumes amadeirados, mas tem um cheiro favorito que é absurdamente doce e que nunca admite para ninguém.
( @khdpontos )
igreja de khadel com @eusouscarlet
Matteo não ia há igreja todos os domingos, apenas em algums. Por insistência de sua mãe, aquele era um deles. Depois da festa das máscaras, talvez ele precisasse pedir perdão pelos seus pecados. Matteo nunca foi altamente religioso. Também nunca havia visto nada de errado em homens ficando com homens. Porém, nunca havia sido o caso com ele. E, como se a sua situação não pudesse piorar, um dos homens que ele havia beijado era a pior pessoa do mundo. Foi uma grande surpresa que Matteo havia sentado o sermão inteiro e não havia sido enviado direto para o inferno. Se não por ter ficado com homens, pelas mentiras envolvidas naquela situação. No fim do sermão, um rosto familiar surpreendente entrou em seu campo de visão, e pedindo licença para sua mãe, ele foi até a ruiva. "Pensei que você derretia entrando na igreja," disse, apesar da falta de intimidade entre eles. Depois de dois rituais e uma maldita maldição que os entrelaçava, talvez ele acreditasse que pudessem ser um pouco informais.
Matteo sustentou o olhar dela por um instante longo demais, os olhos escuros parecendo pesar cada palavra dita. A sinceridade de Scarlet não o surpreendia — ele sempre soube que, para ela, ele era pouco mais que uma lembrança apagada. Mesmo assim, alguma parte dele, pequena e teimosa, se encolheu diante da confirmação crua. Ele passou a língua pelos lábios, num gesto distraído, e soltou um suspiro baixo, quase um riso sem força. A mão subiu até a nuca, bagunçando os cabelos antes alinhados para o sermão. Matteo olhou para o chão, para as rachaduras no cimento, como se ali encontrasse a única resposta verdadeira.
Quando falou, a voz saiu rouca, arranhada pelas coisas que não dizia. "Não muda nada, Scarlet," deu de ombros, mas o movimento era mais pesado do que queria deixar transparecer. "Só achei… que talvez fosse menos insuportável. Pra todo mundo," ergueu o olhar de novo, a expressão cansada, mas havia uma ponta de desafio ali, algo quebrado e orgulhoso demais para se render completamente. Ele estava cansado de todos eles agindo uns contras os outros — não era como se ele quisesse estar naquela situação.
"E não, não tô esperançoso. Nem burro a esse ponto." A boca puxou um sorriso torto, sem humor. Ao contrário do que todos achavam, Matteo não era esse nível de burro — não confiava cegamente naquele grupo. Ele precisava fazer o que podia se quisesse chegar na verdade. "Bem, talvez seja melhor parar de tentar achar lógica nas coisas." Matteo enfiou as mãos nos bolsos da calça, balançando o corpo levemente para trás como se se preparasse para se afastar. Mas ficou parado ali, preso numa linha invisível que ele mesmo não conseguia atravessar.
Deu um sorriso de satisfação ao ouvi-lo dizer que aquele era seu inferno pessoal. Não havia sido a sua intenção, porém Matteo deveria se parabenizar todas as vezes que acidentalmente destruía o humor de Camilo. Não que fosse difícil. Sua mera existência parecia encher o saco do outro. O sentimento era mútuo, mas ao contrário de Camilo, ele não saia do seu caminho para atormentá-lo, como sentia que seu nêmesis fazia. Parte dele achava que Camilo se divertia com aquilo, assim como as crianças que adoravam fazer bullying no passado. Então poderia ser que o que ele dizia ali era apenas para atingi-lo e não se importava com as imagens. Porém, se tivesse a mínima chance de que ele realmente estivesse incomodado, Matteo passaria o resto da noite ao lado de uma das fotos. Encarou o champanhe em sua mão, tentado a virá-lo de uma só vez, mas se bebesse todas às vezes que Milo enchesse seu saco, estaria em Sodoma na depravação, onde Camilo Ricci era o prefeito. Ao contrário do outro, Matteo era muito disciplinado para cair naquela tentação. A sua disciplina era o que havia ajudado-o a chegar aonde havia chegado e conquistar o que tinha. As pessoas como Camilo tinham tudo, desde sempre, então era fácil acreditar que o mundo devia algo a eles. Não podiam ser mais diferentes. "Bem, Camilo, você não precisa ficar aqui. Pode fazer sua generosa contribuição e ir pular a cerca de alguma mulher casada," alfinetou, apesar de não ser nada além da realidade.
Naquele instante, Matteo adoraria ter alguns pontos a menos no QI para sequer perceber que o homem falava com ele. Seria tão mais fácil ignorá-lo. Matteo forçou um sorriso, questionando-se poderia ignorá-lo de alguma forma, mas Camilo sabia muito bem como fazer sua presença ser impossível de desconsider. Se soubesse que Camilo estava envolvido de alguma forma com aquele evento, ele teria mandado enfiar o contrato em um lugar desagradável, mas em nenhuma das suas negociações, o que ele admitia não foram muitas já que a maior parte do que fez havia sido sem nenhuma forma de pagamento, ele desconfiou que Camilo estava envolvido com isso. Afinal, a única coisa pela qual o homem se importava era ele mesmo. 'Vira-lata são os que mais causam comoção'. Era ridículo que as palavras de Camilo pudessem o afetar quando ele detestava o homem. Se tinham uma personificação de tudo que Matteo não gostaria de ser, era Camilo. Libertinagem vestido em ternos que valiam mais que o salário anual da sua mãe, falta de senso comum e uma capacidade de irritar provavelmente até o mais calmo entre os residentes de Khadel. Por que alguém iria querer ser como Camilo? A única coisa que poderia pensar era pelo dinheiro, mas a maioria dos residentes em Khadel eram bem afortunados e aos que não eram, como ele... Existiam certas coisas que o dinheiro não comprava e o seu caráter era uma delas. Mas as palavras dele eram como agulhas perfurando seus ouvidos, um lembrete que ele nunca se encaixou e, não importava o quanto mudasse, não se encaixaria. Apesar de entender e sua mente inquieta está sempre numa velocidade máxima, ele não conseguia pensar em nada para responder. Chegou a abrir a boca para falar algo, mas não tinha uma resposta ácida como seu oponente. Esse não era seu forte. Mas seu forte poderia ser apenas ser melhor que Camilo. Nada iria enfurecê-lo mais se ele não engajasse. "Mudar seu comportamento? Não sabia que você conseguia ter um comportamento diferente de um adolescente com tesão." Distrair, divergir, mudar o assunto como se tivesse desinteressado.
camilo levava pouquíssimas coisas a sério: seu guarda roupa, e o cuidado com os animais. era por isso que adentrava o local ajustando seu terno impecável, pronto para fazer valer as próximas horas naquele evento. uma coisa havia aprendido: havia burocracia demais na benfeitoria. ele tinha dinheiro suficiente para resolver inúmeros problemas; mas sempre haveriam obstáculos no meio do caminho. e por obstáculos, é claro, referia-se à corrupção terrivelmente enraizada em qualquer meio. era um dos motivos, afinal, de apreciar o controle sobre a própria fazenda, visto que tudo ali era de fato em prol dos animais resgatados. infelizmente, camilo não podia comportar todos os animais do mundo no local, e para ajudar os tantos outros fora de seu alcance, não podia se dar ao luxo de uma abordagem simplista e ingenuamente otimista. um grande evento, repleto de pessoas importantes e reconhecido pela mídia, era a melhor maneira de exigir uma prestação de contas por parte dos órgãos envolvidos. ricci sabia que no final, certa parte do valor arrecadado jamais atingiria o objetivo final e nobre — mas assim, pelo menos, podia garantir que a maioria o faria.
a organização não fora de sua exclusiva responsabilidade, embora estivesse envolvido no evento desde o começo. especialmente com as mais recentes descobertas, devia admitir que fora mais relapso do que gostaria nas últimas semanas. prometeu a si mesmo que compensaria ao garantir o sucesso daquele evento. ao parar diante do pôster ridículo em tamanho desconfortável, quase se arrependeu da promessa. com as mãos no bolso, encarou a foto, incomodado. o que aquele idiota tinha a ver com o evento? quem tomou a decisão? “alina” camilo chamou a jovem organizadora, que tirou os olhos de sua prancheta por meio segundo. “o que essa foto está fazendo na parede?” ela pareceu mais confusa que o homem, antes de explicar que matteo era praticamente o garoto propaganda de todo o evento, além é claro do próprio ricci. ainda o relembrou que havia alinhado os detalhes da campanha com camilo há vários dias. ele torceu o nariz ao se recordar que alina o havia ligado justamente no fatídico dia da cascata, em que ele simplesmente não conseguira prestar atenção em nada além do ocorrido. ‘você só disse ‘tanto faz, alina, escolha o que for melhor pra campanha’. bom, o melhor é ele. batemos um ótimo número nas redes sociais e as doações foram significativas.’ camilo revirou os olhos. o melhor é ele. aquele idiota tinha que se enfiar em mais um assunto seu? matteo podia ter ajudado na arrecadação virtual, mas eram os contatos de camilo que faziam as doações substanciais. alina atendeu alguém no celular e saiu andando, bem a tempo de camilo avistar a última pessoa que gostaria de ver.
“isso aqui está dolorosamente parecido com meu inferno pessoal.” disse, apontando para as diversas versões do homem espalhadas pelo recinto. particularmente, a foto com o gato o fazia querer arrancar os olhos fora. “e se for uma amostra grátis do que me espera lá embaixo, talvez seja melhor começar a mudar meu comportamento.” enquanto falava, aceitou uma garrafa de champanhe que lhe fora oferecida. “por mais que eu vá ter pesadelos com essas poses ridículas, admito que você foi uma boa escolha, sabia? vira-latas são os que mais causam comoção mesmo” o sorriso nada combinava com o tom áspero e os dizeres rudes. “ah, desculpa. acho que pra entender sarcasmo é preciso de um QI um pouco mais alto. não se preocupe, na próxima vez que eu te insultar, farei num nível compreensível a uma criança de cinco anos”
Ele olhou ao redor enquanto entravam no recinto e ouvia apontar que não havia curtido o local como merecia. Novamente, se sentiu incrivelmente ciente de como não se encaixava. Não conseguia entender numa forma de curtir o local como merecia. Tudo parecia exarcebar a riqueza dos residentes de Khadel. Matteo não conseguia se identificar com o local. Era como tirar um peixe d'água e esperar que ele nade no ar. Eles foram escoltados até uma das mesas no salão de jantar, mas Matteo quase desejou ter perguntado se poderiam sentar na parte externa. Talvez o ar e a vegetação ao redor o fizesse se sentir menos deslocado, como se pudesse fingir que o encontro não aconteceia naquele restaurante (como se a enorme quantidade de talheres na mesa não denunciasse o problema). O retorno da pergunta não o surpreendeu, mas o fato de ter sido quase retórica sim. Talvez fosse muito ter esperado uma completa trégua. Olivia nunca foi uma pessoa passiva ou que desviava de um desafio, e Matteo poderia ser um grande desafio.
"O que você espera, Olivia?" Matteo perguntou entre um suspiro cansado. Ela estava o colocando num lugar ainda mais desconfortável pressionando-o. Ele estava disposto a passar por cima do seu desconforto, fingir que era inexistente e, talvez em algum momento, ele realmente começasse a acreditar que era. Porém, talvez fosse a atitude dela de que tudo girava ao seu redor, ela não poderia deixar o seu desconforto passar batido. Não sabia se era uma avaliação justa, mas sentia-se como um animal retraído em sua jaula, com a dona forçando-o a sair. "Um sorriso e um pedido de desculpas, e tudo voltaria a ser como era antes?" Ele continuou, com notável dificuldade em colocar as palavras para fora. Seu tom era baixo e ríspido, como quem não gostaria de estar falando coisas do tipo. Não deveriam estar falando dos seus gostos atuais, seus sonhos e desejos? Não deveriam estar vendo se eram um possível par e poderiam se apaixonar? Matteo sabia que antes de tudo eles precisariam falar do passado entre eles, mas teria preferido que ela o tivesse feito sem que ele fosse o alvo da provocação. "Bem, desculpa se eu não sou um dos seus admiradores. Se eu não me desdobro para deixá-la feliz." As palavras haviam saído mais rápido do que conseguiu pensar, tropeçando pelos lábios, mas não se arrependeu no fim. Talvez pudesse ter sido um pouco mais gentil na sua escolha, porém até aquele momento Olivia estava conduzindo toda a situação e ele só estava seguindo, deixando-a guiar como se ele fosse um vira-lata. Ele precisava ter alguma agência também sobre a situação. "Eu vim aqui porque eu concordo que precisamos conversar. Porque eu não sou mais o pirralho de vinte e um anos com medo de encarar algumas coisas." Apesar que agora havia um número de coisas diferentes em que ele preferiria não encarar, mas preferiu não levantar aquele ponto. Tinha certeza que o acontecimento da cachoeira ainda era uma situação com muitas perspectivas, e algumas possivelmente ele não estava pronto para lidar com elas. "Eu não estou confortável. É isso que você queria ouvir?" Ele levantou uma sobrancelha em resposta ao tom de desafio. Com qualquer outra pessoa, Matteo provavelmente não seria tão brusco, mas no fundo ele ainda tinha um sentimento de familiaridade com ela e queria que ela o visse novamente pela pessoa que era e não quem ele fingia ser. Se ela o visse por quem era, talvez aqueles comentários infeliz fossem deixá-do de lado e as farpas não precisariam ser trocadas. "O fato de eu saber que a conversa precisa acontecer não torna nada disso mais... Confortável para mim. Se isso te incomoda, então realmente, a solução é irmos embora," finalmente, ele respirou fundo e soltou um suspiro. "Agora, você está disposta a deixar com que eu lide com meu próprio desconforto sem que isso seja uma preocupação sua ou vamos ter que ir embora?" Agora era a vez dela. Matteo havia tomado a decisão de estar ali. Era uma decisão que o colocava numa posição desconfortável, de vulnerabilidade, mas era a decisão que ele havia tomado e lidaria com ela. Se Liv queria alguém que estivesse ali com um sorriso no rosto e palavras doces... Ela havia escolhido a pessoa errada.
Ela observou Matteo com atenção, captando cada mínimo detalhe. O jeito como ele puxou a gravata de forma discreta, achando que ninguém estava olhando. O cumprimento curto, o sorriso ensaiado — Matteo nunca foi de excessos, e isso não havia mudado. Mas Olivia percebia mais do que ele imaginava. O nervosismo, o desconforto, estavam ali. Ele podia tentar esconder, mas ela ainda se lembrava de algumas de suas táticas. Quando ele disse “vamos”, Olivia sentiu algo dentro de si se contrair. Ele estava ali, mas será que realmente queria estar? Ele parecia distante, fechado em sua própria fortaleza. Por um momento, ela se perguntou se era assim que Matteo se sentia o tempo todo. Perdido dentro de si mesmo. Talvez estivesse tão absorta em manter as aparências de um relacionamento perfeito que não notou as coisas que realmente importavam sobre ele.
Ela respirou fundo e manteve o sorriso, mesmo que tivesse vontade de provocar. Era o que sempre fazia quando se sentia fora de controle — transformava tudo em um jogo. Mas dessa vez, não parecia certo. Dessa vez, Matteo não era só um rosto bonito ou uma distração passageira. Ele era a pessoa que ela não conseguiu esquecer, por mais que tentasse. A pergunta a pegou de surpresa. Não que o conteúdo fosse algo absurdo, mas a tentativa genuína de conversa para preencher o silêncio partindo dele era algo notável. Ela riu baixinho, sem pressa. — Já, sim. Mas vim a trabalho, para gravar e divulgar o restaurante no meu instagram, então não curti como o lugar merece. — Decidiu não dizer em voz alta que também esperava ter um encontro romântico ali, algum dia. E, honestamente, meses atrás quando o restaurante inaugurou, ela jamais imaginou que seria com Matteo, mas estava feliz por sua escolha, e por ele ter aceitado.
Ela inclinou levemente a cabeça, estudando-o. Ele parecia desconfortável naquele lugar, e isso a fez sentir um pequeno aperto no peito. Matteo nunca gostou de estar onde não se encaixava. — Mas e você? — Ela perguntou, suavizando o tom e esboçando um sorriso torto. — Porque, sinceramente, você parece odiar estar aqui. E não sei se é o lugar ou a companhia. — Seu olhar era desafiador, mas não cruel. Apenas honesto. Se ele ia se fechar, Olivia ao menos queria saber se ele teria coragem de admitir. Ela deslizou os dedos pelo próprio braço, uma mania antiga que voltava quando estava pensativa. Matteo sempre foi um mistério para ela, e talvez fosse isso que a fazia querer entender. Será que ele ainda era o mesmo garoto que guardava tudo para si? Ou havia algo nele que ela não via? Olhando para ele agora, Olivia sentia que algo estava diferente. Mas não sabia dizer se era nele… ou nela mesma. — Mas, honestamente, espero que seja o lugar, porque posso tentar fazer algo a respeito. Mas, se for a companhia... Bem, receio não ter uma solução a não ser irmos embora.
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IL GIARDINO
Matteo se sentia incrívelmente sufocado no terno recentemente comprado. Ternos não era exatamente o seu estilo de vestimenta favorito. Não que ele não fosse familiar ao estilo, já tendo fotografado dezenas, se não centenas, de ternos diferentes, mas era incrível como algo tão simples quanto roupas podiam simplesmente mudar todo um sentimento na vida real. Não era como se estivesse indo para a própria morte, mas o gosto de bile que parecia subir ocasionalmente pela sua garganta o fazia parecer que sim. Aquela parecia ser uma péssima ideia. Ele? Reencarnado? Nem os contas de fadas eram tão fantasiosos assim. Khadel era uma cidade normal e, acima disso, ele era normal. Melhor que a média, apenas por causa da sua disciplina inabalável, mas era normal e não uma alma de cem anos ou que que quisessem acreditar.
E, ainda, ali estava ele, vestido igual um pinguim, ajeitando a gola apertada do terno enquanto encarava o restaurante. Era errado. Olivia acreditava naquilo, não era? Ou estaria ela falando aos prantos que eles eram almas gêmeas apenas para chamar atenção? Não que fosse apenas ele. Ela parecia acreditar que o Chris também poderia ser e, por alguma razão, aquilo parecia o incomodar. Deixa de ser burro, Matteo. Eles já haviam ido por aquela rota e não havia dado certo. Matteo preferia focar em coisas onde fosse suceder. Parecia estúpido pensar em algo provado e fracassado. E, ainda, ali estava ele, esperando a ex-namorada. Definitivamente, deveria estar enlouquecido. Pescou o celular do bolso para olhar as horas. Se ainda conhecesse Olivia, ela estaria elegantemente atrasada, para que sua entrada tivesse impacto. Ela quem costumava pensar nesses detalhes na breve relação entre eles. Detalhes que nunca passariam na cabeça de Matteo. Estava absorto na confusão que se desenrolava em sua cabeça, até notar a apróximação da morena pelo canto do olho.
( @khdpontos )
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